segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Bullying vira caso de polícia no Grande ABC

Rafael Ribeiro

Divulgação
 A gerente de produção, 37 anos, pensa, coça o rosto e, só depois de muita hesitação, aceita falar com o Diário. O anonimato é uma exigência. Precaução, alega. A mãe quer esquecer o que passara no início deste mês. Sua filha caçula, 16, cansou-se das ofensas na escola, em Rio Grande da Serra. E, para tentar intimidar o agressor, foi ao local armada. Escondia uma faca de cozinha em seu calçado.
O alvo era um companheiro de sala, de 18. A mãe explica que o bullying acontecia há três anos. Desde que a menina ingressou na Escola Estadual Alziro Barbosa do Nascimento para cursar o Ensino Médio. “Eu nunca esperaria algo assim”, disse. “Tinha ido ao médico naquele dia. E quando saía do hospital me ligaram pedindo para comparecer urgentemente à escola. Fiquei chocada.”
A inspiração, acredita ela, pode ter vindo de outro caso de repercussão na região. Em 30 de abril, outra estudante, 17, cansada de ser ofendida por conta de seu sotaque pernambucano, esfaqueou um colega de sala, 16, na altura do coração, em escola de Ribeirão Pires. O menino sobreviveu. E a menina acabou apreendida pelas autoridades por tentativa de homicídio.
A própria mãe acredita que a menina usou o caso da cidade vizinha como inspiração para cometer o fato. E concorda que a filha errou. Principalmente porque o assunto já tinha sido resolvido, mesmo que temporariamente, antes. No fim de 2012, ela procurou a direção e repassou as reclamações da caçula. Uma reunião foi marcada entre os pais da vítima e do agressor, que prometeu parar. “Para chegar a esse ponto, as coisas devem ter passado do limite”, disse.
O crime só não aconteceu porque funcionários da escolas flagraram a menina exibindo a faca para amigas e resolveram chamar a Ronda Escolar da Polícia Militar.
“A conversa é fundamental para que esses incidentes não cheguem a um ponto como esse”, disse a dirigente regional de Ensino de Mauá, responsável pela escola, Marilene Pinto Ceccon. “O trabalho preventivo deve ser feito e é fundamental.”
Marilene refere-se a adoção de agente mediador na rede estadual de ensino. São 142 atualmente nas escolas do Grande ABC. Em 2010 eram 87. Sua função é avaliar queda de desempenho, problemas de disciplina, casos de bullying entre os alunos e acionar os pais para conversar sobre o que acontece. Segundo Marilene, é parte dos programas e projetos movidos pela Pasta para combater essa prática nas unidades de ensino públicas. “Temos de avançar ainda mais. Ensinar aos alunos o respeito às diferenças”, disse.
Para a psicoterapeuta Vivien Bonafer Ponzoni, Coordenadora do Núcleo de Psicodrama de Família e Casal da Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama, a questão é mais complexa e mostra precariedade tanto do apoio institucional do Estado às escolas quanto das famílias em repassar valores a seus filhos.
“Temos crianças inseguras e reproduzindo comportamentos que expressam muito mais seus instintos do que sua capacidade lógica e de abstração. O corpo fala e responde intensamente sem nenhuma análise e reconhecimento da existência do outro”, analisou. “(As agressões, verbais e com uso de ameaças com arma) são frutos de um meio violento, da insegurança, da vingança e da raiva.”
Psicoterapeuta e dirigente de ensino concordam, no entanto, que um ponto é primordial para resolver o problema: aumentar o diálogo entre as famílias. “A criança e o jovem é carente de modelos para seguir, imitar e se orientar”, disse Vivien. “Jovens que crescem sem espaço para falar de suas dores (emocionais), aprendem a sentirem-se desamparadas e inseguras. Tendem a resolver sozinhas suas questões e encontram dificuldades em colocar-se no lugar do outro”, concluiu.
Fonte: DG ABC

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