quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Jovem é vítima de intolerância religiosa dentro de escola em São Gonçalo

EXTRA

A Polícia Civil investiga um caso de intolerância religiosa ocorrido dentro de uma escola pública em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Aluna do 6º ano no Colégio estadual Padre Manuel da Nóbrega, no bairro Brasilândia, a jovem Kethelyn Coelho, de 15 anos, que é candomblecista, foi alvo de ofensas por parte de outros estudantes em sala de aula. Ao ouvir provocações como “gorda macumbeira” e “macumbeiros têm que morrer”, a vítima se levantou para discutir com os adolescentes e acabou sendo expulsa do recinto pela professora. O caso foi registrado na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de São Gonçalo, no último dia 14.
De acordo com o promotor de vendas Leandro Bernardo Coelho, de 35 anos, pai da jovem, Kethelyn já vinha sofrendo bullying por causa da religião desde o início do ano, quando se matriculou na unidade. Os relatos, no entanto só vieram à tona há duas semanas, quando o responsável foi chamado pela direção da escola após a jovem ser vista chorando em sala.
— Foi um baque quando eu soube que ela estava sofrendo isso desde que entrou na escola. Minha filha, que eu saiba, nunca fez bullying com ninguém. Tive que escutar da boca dela que preferia se matar do que estar estudando, porque não aguenta mais ser chamada de gorda macumbeira. Não sou macumbeiro, porque não toco o instrumento musical chamado macumba. Sou candoblecista, sou espiritualista — desabafa ele.
Após saber do episódio em que Kethelyn foi expulsa de sala, Leandro afirma ter solicitado à direção da escola uma reunião com os pais dos estudantes que a ofenderam, mas seu pedido não foi atendido. Uma semana depois, apoiado pela Comissão de Matrizes Africanas de São Gonçalo, decidiu registrar a ocorrência na delegacia. Segundo ele, a diretora do colégio só entrou em contato após ser notificada do inquérito policial.
Na manhã desta terça-feira, a família foi recebida pelo secretário estadual de Direitos Humanos, Átila A. Nunes, que ofereceu assistência psicológica, jurídica e social à jovem. Somente na última semana, a secretaria atendeu 20 casos de intolerância.
— Como sempre, são preconceitos que começam pequenos e de alguma forma vão num crescente. Os que estão cometendo o ato vão aumentando até chegar a um ponto em que a coisa fica insustentável. Neste caso, ao reagir, a aluna foi expulsa de sala, o que só agrava a situação. Ela não só não encontrou um ambiente favorável para ter sua fé preservada, como foi de certa forma punida por reagir a seguidas situações de preconceito religioso. Não é possível que uma escola aceite casos de bullying como esse e ainda puna a vítima — afirmou o secretário,
De acordo com a delegada Débora Ferreira Rodrigues, titular da Deam de São Gonçalo, o caso foi registrado como intolerância religiosa e injúria. Ao longo desta semana, a delegada deve ouvir o adolescente que foi apontado como autor das ofensas, a professora que teria expulsado a jovem de sala e a diretora da unidade, além da família da vítima.
— Vamos analisar as condutas da diretora e da professora, porque foram pessoas que tiveram acesso a tudo isso, viram o comportamento dos menores, e queremos saber o que falaram e quais providências foram tomadas. Um professor ou um diretor, quando detecta qualquer tipo de intolerância, é obrigado a se manifestar. Vamos saber o que foi feito por parte da escola ou se a escola se omitiu — diz a delegada.
Caso o inquérito conclua que houve crime, a professora e a diretora, caso indiciadas, poderão responder pelos crimes de intolerância religiosa e injuria, cujas penas somadas poderão chegar a seis anos de detenção. Já o procedimento relacionado ao menor de idade será encaminhado ao Juizado da Infância e da Juventude.
Em nota, a Secretaria estadual de Educação (Seeduc) afirma que abriu sindicância para apurar os fatos e diz que a direção da escola está acompanhando o caso junto à família da aluna. “A Seeduc ressalta que repudia quaisquer formas de preconceito e discriminação e reforça que as unidades da rede estadual desenvolvem várias iniciativas visando ao cumprimento da Lei nº 10.639/03, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira em disciplinas como Arte, Ensino Religioso, História, Sociologia, Língua Portuguesa e Literatura. Além disso, o Projeto de Leitura Escolar ministrado nos colégios estaduais tem como um dos seus eixos temáticos a Pluralidade Cultural”, diz a nota.
Trauma
De acordo com Leandro, Kethelyn decidiu fazer a iniciação no candomblé em novembro de 2015. Para cumprir as obrigações da religião, raspou o cabelo e passou a usar objetos religiosos.
— Na época, ela estudava em uma escola municipal. Sofreu um pouco no início, mas a escola soube lidar bem com a situação. Fez uma excursão com as crianças ao Museu Nacional de História e mostrou todo o contexto da nossa religião — lembra o promotor de vendas.
Os problemas começaram com a mudança para o colégio novo. De acordo com relatos, um dos adolescentes que estuda com a jovem aprendeu cantos que são entoados em rituais do candomblé e passou a usá-los para constranger Kethelyn.
— Ele cantava os pontos, tocando na mesa, e os outros iam no embalo. A maior agressão partia dele, mas alguns outros alunos também embarcavam — diz Leandro.
Kethelyn permanece matriculada na unidade, mas tem tido dificuldade de comparecer às aulas nas duas últimas semanas. Segundo Leandro, ela chegou a faltar três dias seguidos.
— Ela pede para não ir. Diz que prefere morrer. Mas eu falo para ela ir, porque só no fim do ano poderemos matricular ela em outra unidade — diz ele, que espera ver dias melhores pela frente: — Quero que a polícia investigue para descobrir o motivo desse descaso. Será que minha filha precisava ser apedrejada, será que precisava apanhar? Quero que a polícia investigue os fatos e cobre providências da diretora.

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