domingo, 16 de outubro de 2011

A violência não discrimina ninguém, diz deputada que teve o filho assassinado

Keiko Ota conta ao iG como decidiu entrar para a política após a tragédia vivida pela família e fala sobre a Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas de Violência

Keiko Ota e seu marido, Masataka Ota, se tornaram vítimas da violência no Brasil em 1997, quando o filho deles, Ives Ota, foi sequestrado e morto. O menino foi sequestrado dia 29 de agosto e dias depois a polícia descobriu que os mandantes eram dois policiais militares que trabalhavam na segurança da empresa de Masataka. Toda a quadrilha foi presa, mas, onze dias após o sequestro, Ives foi encontrado morto.

Recentemente o casal entrou para a política e Keiko foi eleita deputada federal. Em 24 de agosto, ela lançou a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Vítimas de Violência, com o principal objetivo de amparar, inclusive financeiramente, as vítimas da violência.

Keiko acredita que a Frente, integrada por familiares de pessoas que sofreram alguma violência, 262 deputados e 12 senadores, também possa contribuir para a discussão sobre a revisão do Código Penal, no sentindo de enfatizar a que as penas aplicadas por Tribunais do Júri e juízes sejam cumpridas.

Foto: Divulgação

Deputada e o marido falaram ao iG sobre a decisão de entrar da carreira política após a tragédia femiliar

Em entrevista ao iG, a deputada, acompanhada pelo marido, explica como a tragédia a levou a entrar para a política e formar a frente parlamentar. “A violência não discrimina ninguém. É importante a mobilização.”

iG - Qual a principal intenção da Frente?
Keiko Ota -
 Aprimorar as leis para assistir as famílias vítimas de violência. Geralmente essas famílias ficam desamparadas, desassistidas, enquanto o culpado tem todos os direitos garantidos e preservados. Não queremos vingança, nós queremos Justiça, colocar um fim na impunidade.
Nunca houve uma frente parlamentar em defesa das vítimas de violência. E na época da ditadura (1964-1984), se fizeram muitos direitos humanos para o outro lado. Queremos direitos humanos para todos.

iG - Por que uma frente mista?
Keiko Ota -
Fica mais ampla porque passa pelas duas casas (Senado e Câmara). Assim é mais fácil pedir o apoio necessário para atingirmos nossos objetivos. Um deles, por exemplo, é o auxílio financeiro para as famílias das vítimas.

iG - Por que um auxílio financeiro para a família das vítimas?
Keiko Ota -
Muitas vezes a família, por sofrer uma violência, tem uma instabilidade emocional. A gente percebeu nesses 13, 14 anos de trabalho, convivendo com mães que também perderam seus filhos, o desespero dessas pessoas. Muitas vezes, a situação financeira fica acirrada por uma instabilidade emocional.

E, às vezes, a vítima é o provedor da família, e os órfãos como ficam? Enquanto isso, os presos têm auxílio financeiro. E por que não as pessoas de bem terem isso? Então essa é a nossa primeira medida.

iG - O que acha da aprovação da Lei 12.403, que alterou o Código de Processo Penal brasileiro e criou alternativas à prisão preventiva?
Keiko Ota -
Sou contra porque está deixando a sensação de impunidade ainda maior. Como nós não pudemos nos manifestar nessa votação, estamos vendo a progressão dela e se estiver prejudicando as pessoas de bem vamos levar ao conhecimento do Ministro da Justiça.

Quem já não apoia são promotores públicos e delegados. Eles estão inconformados com essa lei nova porque ela é até bonita, mas não funciona, porque o Estado não tem controle de nada. É difícil fazer essa lei vigorar no Brasil. Hoje está parecendo que o crime compensa.

iG - Como deve ser a prevenção da violência?
Keiko Ota -
Para a gente retirar o Brasil do topo do ranking mundial de homicídios, temos que trabalhar em dois sentidos: na prevenção, via causa da violência, e na eliminação. Nós não podemos assistir a 50 mil pessoas sendo assassinadas por arma de fogo por ano. Tem que ter uma lei mais rígida para que as pessoas pensem duas vezes antes de atirar e precisa haver uma revisão do Código Penal.

Além disso, temos que fazer a prevenção, ou seja, ter uma política pública nas escolas. Por que na escola? Porque é mais fácil de fazer esse trabalho lá. A gente vê que as nossas crianças estão abandonadas, elas sofrem violência nas próprias famílias e na sociedade. Em São Carlos (UFSCar), uma pesquisa apontou que 70% das crianças que praticam e sofrem bullying, antes sofreram a violência em casa. A criança vai ser na sociedade o que viu, aprendeu e sofreu dentro de casa. Se em casa não está bom e nem na escola, as crianças vão ficar a mercê do crime organizado ou das drogas, para entorpecer a mente.

Se não houver uma política pública que aja na prevenção da violência, que trabalhe na reeducação das crianças e dos jovens, vai ser um caos. As drogas já estão virando epidemia e hoje a violência não discrimina ninguém: cor, raça, classe social. Nunca tinha visto o Morumbi fazer uma manifestação, então você vê que a violência está mesmo crescendo.

Foto: Divulgação
Deputada critica lei que cria alternativa a prisão preventiva

iG - Como foi a sua decisão de entrar para a política?
Keiko Ota -
Quando o Ives partiu eu era comerciante e quando acontece uma atrocidade dessa a gente fica sem teto, sem chão, você perde o rumo e precisa ter com o que se ocupar. Para mim, trabalhar na empresa do meu marido não me acrescentava mais nada, por que o Ives teve que partir tão cedo? E qual a lição que eu ainda tinha que aprender?

Então eu comecei a estudar questões de filosofia e comecei a ajudar outras mães, porque quando a gente ajuda os outros a nossa ferida vai cicatrizando. Então percebi o descaso do Estado, a impunidade que existe, então pensei que com a política poderia fazer algo diferente. Não é mais por vingança, é por vontade de deixar um feito para o filho.

Masataka Ota - Eu tive muitos convites para entrar em partidos políticos, mas na minha consciência eu não podia entrar rapidamente na política, senão eu estaria usando a imagem do meu filho, eu pensava assim. Aí decidi: se foram onze dias que meu filho ficou desaparecido, no cativeiro, então cada dia para mim seria um ano. Vou cumprir esses anos e se Deus quiser, se achar que a gente merece representar o povo que seja assim. Ano passado, depois de completos 12 anos da morte dele, nós entramos para a política.

iG - Qual a importância da participação da sociedade na frente?
Masataka Ota -
O Ives não veio só para ficar um tempo com a gente, ele veio para mexer e mexeu mesmo. Em 97, antes do acontecido, um projeto previa o fim dos crimes hediondos e com o caso do Ives isso não foi aprovado.

Keiko Ota - A violência não discrimina ninguém. É importante a mobilização da sociedade civil, dos parlamentares, do judiciário porque todos nós podemos ser vítimas de violência e precisamos lutar para isso acabar.

iG - Em agosto deste ano fez 14 anos que vocês perderam seu filho. O que dizer para pessoas que passam a mesma tragédia?
Masataka Ota -
A frente parlamentar também quer ajudar as pessoas que passam por isso. Às vezes damos tarefas para essas pessoas, como fazer pesquisas, por exemplo, assim elas ocupam a cabeça e não ficam só pensando na dor.
 
Keiko Ota - A gente não pode cruzar os braços. O que aconteceu comigo é um alerta para que a gente melhore. O Ives é nosso professor nessa escola da vida. Ele veio com a missão de ajudar mais pessoas. Não adianta ficar mergulhado no sofrimento. Para a gente cicatrizar a ferida, primeiro a gente precisa ajudar a cicatrizar a dos outros. Não podemos ficar de braços cruzados

Fonte: IG

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