segunda-feira, 18 de maio de 2015

O "bullying"


Graca Franco, OK, opiniao, NOVA













Fonte: Sapo PT

O que fizemos para acabar com a cultura praxista de humilhação gratuita, que começa no secundário (quando não no básico) e se prolonga ostensivamente pela universidade?
Não podemos continuar a escandalizar-nos a cada novo episódio de violência entre jovens, nem a desculpabilizá-lo a cada passo com a vaga culpa do "sistema". Antes do mais convém reconhecer que o mal existe e pode ser livremente praticado, ou não, por cada pessoa, que é em primeiro lugar a primeira (mesmo que não seja o única) responsável pela dita escolha.

Não podemos continuar a infantilizar-nos colectivamente sob a capa da impunidade total até que se passe a mítica barreira dos 18 anos. Antes de ser dos pais, da escola, da crise ou do sistema, a culpa da maldade praticada por cada um dos jovens agressores é dos próprios. E vários deles serão chamados a votar já nas próximas eleições. Basta de conversa mole sobre o facto de todos serem sobretudo vítimas. No mínimo, há uns que são, de facto, muito mais vitimas (dos outros).
  
Numa segunda linha, evidentemente, precisamos olhar para os factos. Sobretudo para a perigosa repetição e generalização dos mesmos, na parte que nos toca na culpa colectiva. Porque a há.

Aqui sim, temos de nos perguntar que quota nos cabe, por exemplo no "medo" da resposta pelos que assistem passivamente, incapazes de quebrar o ciclo, ou na falta de segurança que oferecemos a quem tem a coragem da denúncia ou pelo menos a coragem de não esconder a humilhação sofrendo, incapaz de dizer basta.

O que fizemos para acabar com a cultura praxista de humilhação gratuita, que começa no secundário (quando não no básico) e se prolonga ostensivamente pela universidade, à vista de nós todos, culminando nessa coisa absurda que se chama autoridade dos veteranos ou poder dos "dux"? Uns eternos imberbes que se arrastam pelas universidades.

Que meios demos às escolas para tornar mais respirável e seguro o seu ambiente? Não sei se é desejável ou possível abrir uma esquadra em cada escola, mas não vale a pena pensar que o "smart" da escola segura vai chegar a tempo de impedir a ocorrência. Não sabemos exactamente o que fazer para pôr cobro à insegurança latente? Perguntemos aos jovens. Eles sabem.

Que valores transmitimos, enquanto sociedade, às novas gerações? Já não falo dos modelos de sucesso que lhes apresentamos (como não pensar nos empresários pouco escrupulosos e a braços com a justiça apresentados como exemplos a imitar?), mas também da escassa margem de manobra deixada à família, vítima de uma verdadeira escravatura em termos laborais.

A mãe de uma das agressoras desabafa que "educou sozinha dois filhos, a trabalhar diariamente 16 horas, sem folgas nem férias". Querem ainda acusá-la de não ter conseguido mais? Ouviram bem a sua história? Será preciso gritar. Querem ainda acusá-la de não ter conseguido mais? Não se trata de negar o direito ao trabalho das mulheres, mas de garantir o seu direito ao mais básico descanso. Alguém duvidará que esta mulher sempre quis ter mais tempo para dedicar aos filhos e nunca terá visto a sua escravatura laboral como sinal de uma falsa emancipação?

Mesmo com mães em casa, os filhos podem optar por integrar gangs? Claro. Mas falta tempo das mães? Falta. E dos pais? Também. Não por acaso em várias famílias de agressores e agredidos há pais emigrados ou ausentes. Não explica tudo? Não. Mas ajuda a explicar? Ajuda.

E qual a nossa responsabilidade na própria banalização da violência? Aqui os meios de comunicação social deveriam ser os primeiros a fazer um "mea culpa". Há treze minutos de violência gratuita e "bullying" juvenil que circula nas redes e já foi visto por mais de um milhão. E o que fazem os média, designadamente as televisões? Um "best of" dos três melhores minutos da sessão de tortura, para a passar até à náusea durante os próximos dias em todos os noticiários, assegurando desta forma que ninguém pode passar ao lado do espectáculo. Depois hipocritamente dizemos que não há outra maneira de denunciar a coisa, como se tivéssemos de mostrar o cadáver a cada notícia de um assassínio.

Uma coisa é certa: da próxima vez o "déjà vu" vai substituir o choque e a violência será apenas um bocadinho mais banal. Temo que seja por isso que mais de metade das jovens portuguesas responde em inquéritos que maridos que batem em mulheres é uma realidade razoavelmente expectável.

Por último, debrucemo-nos ainda sobre a magna questão da qualidade da acção politica, que neste caso é desgraçadamente exemplar. Em 2005, na sequência de um primeiro sobressalto, a comunidade interrogou-se como fazer face ao fenómeno da violência juvenil em seio escolar. O procurador apelou ao executivo para que faça alguma coisa. O partido do Governo socrático optou por criminalizar o "bullying". Boa ou má, a lei envolta em polémica acabou aprovada em final de legislatura. Desceu à comissão e prescreveu em Maio de 2011 sem ser aprovada na especialidade.

Imaginávamos todos que tivesse sido retomada depois e aprovada na legislatura actual, na versão inicial ou revista. Não foi. O próprio PS deixa de sustentar a criminalização como uma boa ideia e, como sempre acontece em Portugal quando se quer que tudo fique na mesma, já este ano foi criado um novo grupo de trabalho para apresentar soluções para os problemas de violência juvenil, que na próxima quarta-feira proporá novas medidas.

Obrigadinha. Será que pretendem que alguém os leve a sério?

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