terça-feira, 19 de maio de 2015

Cláudia Sousa Pereira - Bullying

Se dúvidas houvesse de que a agenda de opinião da esmagadora maioria de nós, no que respeita a assuntos de interesse geral, público e colectivo, e portanto político, é feita por certas notícias que se espalham de forma viral, mesmo tratando de gente comum, os acontecimentos sobre o bullying – começando no programa televisivo de talentos, passando pela cena de bofetão no feminino, até ao assassinato violento de um jovem de 14 anos das últimas semanas – dissipariam essas dúvidas.

São inúmeras as notícias, as opiniões e os assuntos que todos os dias são lançados pela comunicação social – ou nas redes sociais em que cada um de nós pode fazer a reportagem de algo a que se assistiu e que dê lugar a notícia, ou emitir a sua própria opinião baseada nos factos que escolheu ou de que lhe propuseram uma interpretação. Mas há umas que chocam e, como tal, naturalmente, se tornam tema central de conversa, quase como se nunca tivessem existido ou, na curta memória humana, tivéssemos esquecido para continuarmos a viver as nossas vidas para lá do que nos incomoda, como muitas vezes tem de ser, sobretudo quando não temos responsabilidades oficiais sobre o assunto.

O bullying é a prática de actos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, uma vítima que pode sofrer danos físicos e psicológicos irreparáveis. A palavra surge do inglês bully, que significa brigão ou valentão, e desconfio que o que chocará nesta prática é mais a incapacidade de defesa da vítima do que a atitude dobully, uma vez que quando há dois bullies somos quase tentados a comentar que “estão bem um para o outro”. E talvez seja esta expectativa de andarmos todos a preparar-nos para responder à altura das dificuldades que vamos encontrar ao longo da vida, condescendendo em descer por vezes ao nível mais vil do ser humano enquanto membro do reino animal, que ao longo dos séculos fez dos que têm reacções menos instintivas – ou de um outro tipo de instinto – vítimas declaradas.

É que o bullying em si, e quando não dá origem a crime público, acontece mais frequentemente do que possamos pensar e, muitas vezes, é feito com um conjunto de pessoas a apoiar, como claque, a prática do insulto, da extorsão, da atitude violenta – com palavras ou actos – perante quem por princípio, opção ou dever não corresponda à reacção que parece ser a exigida pelo bully ou pela sua claque de apoio: responder à altura e partir para a guerra, em escaladas de violência que podem ir até à agressão física e ao insulto desbragado, assim mesmo na cara das pessoas.

O bullying, mais do que com o exercício de um poder, que muitas vezes até se conquista com o sucesso após a sua prática e o aplauso dos pares que parecem transformar-se em seguidores ou súbditos, tem a ver, na minha opinião, com o respeito ou a infracção de limites do que se pode e deve, ou não, fazer e dizer. Se esse conhecimento é adquirido pelo exemplo, pelo discurso positivo, enfim pela educação que recebemos da comunidade que nos rodeia; e se o desrespeito desse limites é punível e punido efectivamente, através de sanções de vários tipos – e onde a liberdade não deve ser confundida com anarquia (mesmo quando esta é defensora de um pacifismo e uma autodefesa que deixa perigosamente à solta uma justiça sem regras) – então, teremos de encarar vários comportamentos que vamos achando normais – como os insultos proferidos pública e sistematicamente àqueles de que discordamos, às vezes a descer a avenida com as câmaras da TV atrás - como exemplo de muitos que fazem dessa prática uma atitude corrente e, contra o que lhes é adverso, do que lhes é incompreensível, do que muitas vezes apenas sai fora do comum, uma forma de reagir legitimada pelo cidadão comum e apenas suspensa quando outros limites se ultrapassam. É que também aqui, e não só nas coisas boas, o caminho se faz caminhando.

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