sábado, 28 de maio de 2011

Filme de agressão de adolescentes reacende dores do bullying

Vídeo de rapariga de 13 anos a ser agredida por duas adolescentes de 15 e 16 anos voltou a abrir feridas. Como enfrentar o bullying? Como reagir a tanta violência? Como explicar a passividade de quem observa? Como encarar o problema? Todos os intervenientes foram identificados e os pais da menor já apresentaram queixa.

O filme colocado no Facebook e no YouTube, entretanto retirado, da agressão a uma aluna de 13 anos, do 8.º ano da Escola Secundária Padre Alberto Neto, em Queluz, voltou a trazer à superfície o fenómeno do bullying. Os comentários dos especialistas sucedem-se nos meios de comunicação social e as perguntas multiplicam-se. Como lidar com a situação? Como explicar tamanha violência? Que apoio dar à vítima, que ajuda psicológica prestar às agressoras? Qual o verdadeiro objetivo de quem publicou as imagens nas redes sociais: denunciar ou divertir-se? É necessário punir ou responsabilizar? O debate está, uma vez mais, lançado. E as respostas não são fáceis.

Tudo aconteceu nas traseiras de uma rua em Benfica, perto do centro comercial Colombo. Não foi em nenhuma escola. A agressão começa com uma troca amarga de palavras e a rapariga mais nova, de 13 anos, acaba por ser pontapeada na cabeça e em várias zonas do corpo. Vários jovens assistem ao episódio sem nada fazerem para que o episódio de violência termine. E há quem registe o momento que está a chocar o país. As autoridades policiais já identificaram todos os intervenientes: as agressoras de 15 e 16 anos, que frequentam um Curso de Educação e Formação numa escola da Póvoa de Santo Adrião; e o autor do vídeo, um ex-aluno da Alberto Neto, de 18 anos, com antecedentes criminais pela prática de crimes violentos - e que, no início desta semana, tinha sido detido pelo roubo de um telemóvel, libertado de seguida e sujeito a apresentações periódicas na esquadra da sua área de residência.

Estaladas, puxões de cabelo e pontapés. A vítima já foi submetida a exames médico-legais, para se perceber a gravidade das agressões, e os seus pais já apresentaram queixa nas autoridades policiais, depois de terem sido ouvidos pela PSP. A Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa informou, entretanto, que como uma das agressoras ainda não tem 16 anos está a ser extraída uma certidão para remessa, ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para que seja instaurado um inquérito tutelar educativo. A cena de violência numa rua de Benfica poderá configurar um crime de ofensas corporais qualificadas e o caso está a ser investigado pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa (DIAP). Os factos provados e a avaliação da personalidade dos agressores serão determinantes e as "penas" podem passar por uma admoestação ao internamento num centro educativo.

O diretor da Escola Padre Alberto Neto, José Brazão, garante que "está tudo tranquilo" e que não houve reações por parte dos alunos e dos pais. E quando a situação chegou ao seu conhecimento, avisou a associação de pais do estabelecimento de ensino. O responsável considera que não se pode chamar bullying ao que aconteceu com a aluna da sua escola. "Aplica-se o bullying a todos os acontecimentos. O bullying é uma ação continuada de um grupo e não penso ser esse o caso, penso tratar-se de uma agressão isolada - e não é bullying", referiu ao EDUCARE.PT. José Brazão lamenta o que aconteceu à aluna agredida e garante que o quotidiano escolar decorre na normalidade.

Para Tânia Paias, psicóloga clínica e coordenadora do Portal Bullying, o vídeo mostra um incitamento à violência e, em seu entender, é muito preocupante que os jovens que assistem não tenham assumido uma postura ativa. "Retiram a gravidade da situação e observam-na como se de um desentendimento se tratasse." "Do meu ponto de vista, parece haver um défice ao nível da perceção da violência para estes jovens, uma vez que nenhum foi capaz de se aperceber da gravidade da situação, assim como observam-na com a intenção de fazê-la chegar ao Facebook para que outros tantos possam ver um 'luta entre raparigas'", refere ao EDUCARE.PT.

O que fazer? A responsável defende que é necessário trabalhar com esses jovens na contenção de impulsos, na perceção da realidade, na capacidade de autorregulação, a encontrar formas mais adequadas para expressar o desagrado. "Num caso destes, temos de responsabilizar os intervenientes, é necessário que percebam a gravidade da situação." Em seu entender, é importante ajudar esses adolescentes ao nível dos comportamentos disruptivos. "Faz parte da adolescência transgredir, testar os limites, mas o essencial é que se perceba quais são esses limites e adequá-los ao viver em sociedade", afirma.

A coordenadora do Portal Bullying defende que os pais devem ensinar os filhos a refletirem sobre os seus atos e as escolas trabalhar a adequação da agressividade e ensinar a partilha, a empatia e o viver em sociedade. "É importante explorar esta questão da violência, adequá-la, trabalhá-la mediante programas de prevenção; existem disciplinas excelentes para podermos criar dinâmicas que abordem esta problemática", sublinha.

Cinco agressões por dia
A agressão está a agitar a sociedade portuguesa. O Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados disponibilizou apoio jurídico aos pais da adolescente agredida e classificou de brutal e chocante a forma como os meios de comunicação social estão a divulgar o que aconteceu. E emitiu a sua opinião em comunicado: "A divulgação, pública e reiterada, pela comunicação social, de uma filmagem em que uma menor é brutalmente espancada por duas outras perante a passividade - e até o incitamento - dos restantes circunstantes é merecedora de um indignado comentário do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados por ser atentatória dos Direitos Humanos."

Armando Leandro, presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR), também reagiu e lembrou que todos têm um papel na comunidade. "As famílias, os jovens, as instituições e os tribunais devem ter em conta situações como as de Benfica, porque todos são responsáveis pela prevenção primária", referiu, em declarações ao jornal Público. Os últimos dados da CNPCJR, relativos a 2009, revelam que os maus-tratos físicos são a quinta problemática mais sinalizada, entre 17 identificadas, e que são mais frequentes na faixa etária dos seis aos dez anos. Todos os dias, há cinco episódios de maus-tratos físicos entre crianças e jovens.

O mais recente estudo coordenado pela psicóloga, investigadora e professora da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, Margarida Gaspar de Matos, revela que 59,4% dos adolescentes portugueses já assistiram a situações de provocação na escola ou num local próximo. E cerca de metade dessa percentagem confessou nada ter feito nesse momento e 10,7% admitiram ter incentivado o provocador.

O tempo que os processos judiciais que envolvem menores demoram a ser resolvidos também acaba por entrar na conversa. "O conhecimento que tenho do que se passa nos tribunais de família e menores é que não conseguem cumprir o prazo e duram mais do que seria aconselhável e, às vezes, perdem o efeito educador", alertou Joana Vidal, presidente da Associação de Apoio à Vítima e especialista em Direito de Menores, em declarações à Lusa. A responsável defende apoio psicológico para problemas complexos e mais importante do que punir, importa responsabilizar. "O que observamos na experiência de apoio às vítimas é que a transmissão potencia o grau de humilhação e vitimação, porque esses sentimentos são muito mais profundos", acrescentou.

"Proteja o seu filho do bullying" é um livro de Allan Beane, editado pela Porto Editora. Beane teve um filho vítima de bullying que acabou por se refugiar numa substância ilegal e perdeu a vida. O pai não quis deixar passar em claro a dor do filho e publicou a obra. "O bullying pode ser encontrado em qualquer vizinhança, área educativa e escola. Para que se consiga prevenir e reduzir o bullying, é necessário que haja um esforço sistemático em cada escola. É imperativo que haja um empenho global, ao nível de todo o sistema, para que seja possível prevenir e acabar com o bullying", escreve no prefácio. "O facto de negar ou ignorar o bullying é a pior coisa que pode acontecer que pode acontecer a uma criança, escola ou comunidade", acrescenta. Ao longo de 13 capítulos, o autor fala de sinais de alerta, comportamentos, e de qual deve ser o papel da escola, da família, dos amigos.

Fonte: educare.pt

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