segunda-feira, 10 de julho de 2017

“Descobri a cura quando me amei de verdade”, diz administrador

MidiaNews

KARINA CABRAL 
DA REDAÇÃO

Diagnosticado há 20 anos com depressão, o administrador Alan Barros, de 35 anos, tem usado sua experiência para ajudar pessoas com a doença a encontrar o caminho para a superação. Para ele, a parte mais importante do processo de cura é encontrar o autoamor.

“Eu só descobri a cura quando me amei de verdade. Hoje em dia eu me amo com os meus defeitos. Me sinto perfeito cheio de defeitos. E a partir do momento em que eu aceitei isso, iniciei o processo de superação”, contou.

Há cinco anos, Alan criou o projeto “Tenho depressão e agora?” e o “#Fale”, que visa ajudar pessoas com a doença a buscar ajuda, porém só se sentiu pronto para falar sobre ele quando começou a superar a doença.

“Eu acho importante você ter passado por uma situação para poder falar dela”, disse.

O administrador criou um talk show contando sua história, escreveu um livro que será lançado no dia 21 de agosto, tem um canal do Youtube e futuramente pretende ter uma casa de apoio para ajudar pessoas com depressão.

Depressão não tem culpado, porque não tem um motivo só. Quando não tem um motivo só, não tem um culpado só. Porque é uma doença e uma doença grave

A doença

Alan foi diagnosticado com depressão aos 15 anos, quando os pais se separaram,e ele precisou frequentar uma psicóloga de família. Mas demorou dois anos para aceitar a doença e procurar ajuda.

Ele afirma que não teve um motivo único para se tornar depressivo, mas sim uma junção de fatores internos e externos, como o bullying na escola, frustração no trabalho e durante a adolescência e até mesmo o preconceito por ter a doença.

“Depressão não tem culpado, porque não tem um motivo só. Quando não tem um motivo só, não tem um culpado só. Porque é uma doença e uma doença grave”, disse.

Com o tempo Alan desenvolveu o transtorno depressivo ansioso, no qual juntou dois problemas psicológicos: a depressão e a ansiedade.

Durante a maior parte do tempo os pais de Alan não perceberam que seu caso era grave, vindo a saber realmente há um ano.

“Eles são pessoas muito do bem, pessoas muito caridosas. E você me pergunta: ‘Alan, por que eles não viram?’. Porque é uma doença dificílima de compreensão, é uma doença psicológica difícil, uma doença da alma. Só quem tem é que consegue entender”.

O administrador faz terapia há 17 anos e só aceitou o tratamento quando viu que estava muito entristecido e com pouca vontade de viver.

Ele conta que seus sintomas eram os famosos “sintomas do Google”, apatia social total, não queria sair de casa, tristeza exageradamente forte, falta de vontade de viver, pensamentos suicidas até depois de casas e ter filhas.

“Agora o mais forte que eu posso te falar é esse não viver. Porque você está vivo, está de olho aberto, mas não está vivendo. Meu mundo já foi muito cinza, isso é muito de depressivo”, disse.

Alan chegou até a morar nos Estados Unidos para fugir da convivência social.

“Eu não queria estar aqui na minha cidade natal [Cuiabá], então eu morei fora justamente pra ficar mais protegido do olhar do outro”.

"Você está vivo, está de olho aberto, mas não está vivendo. Meu mundo já foi muito cinza"

Essa fobia social o levou a sempre se esconder. Inclusive escondeu a doença e as crises da esposa por muito tempo.

“Eu aprontava pra ir pro trabalho, só que eu ia pra casa da minha mãe. Sem minha mãe saber eu entrava no meu quarto que tinha lá e ficava lá o dia inteiro. Eu só saía final do dia. Isso é muito triste. Minha mãe nem sabia que eu estava lá, nem minha esposa. Depois eu tive que falar pra todo mundo”, contou.

Com isso, diversas vezes a doença o atrapalhou e atrasou. Ele chegou a pedir demissão de uma grande multinacional na qual amava trabalhar por estar em um momento muito forte da doença.

“Eu sabia que ia queimar meu filme se ficasse. Eu me conhecia, vi que eu estava decaindo muito, tinha parado de produzir. Eu não queria sair pisoteado. Então decidi sair por conta própria. Me arrependi. Eu sabia que era uma fase que estava vivendo, mas nessa fase ainda não tomava antidepressivo, talvez se eu tomasse conseguiria recuperar”.

Durante os 20 anos com a doença, entre altos e baixos, Alan tentou diversos tratamentos. Psicólogo, esportes, meditação, tratamento hormonal, heiki, acupuntura, espiritismo, cursos de autoconhecimento. E tudo isso acabava o irritando.

“Eu falava pra minha terapeuta: ‘Que saco, eu preciso vir na terapia, preciso ir na psiquiatra, preciso fazer exercício, preciso fazer ortomolecular, preciso estudar, preciso trabalhar. Eu preciso de tudo isso pra poder viver, tem pessoas que não precisam de nada disso e estão bem’. A não aceitação é muito séria nesse ponto, então eu tentei de tudo”, disse.
 
Alan toma remédio há quatro anos, hoje em doses mais fracas. E disse ter imenso respeito pelos profissionais que o acompanham, visto que se não fosse por eles acredita que não estaria vivo.

“Mas é importante falar que não é só terapia com psicólogos que funciona. Existem terapias comportamentais, alternativas, holísticas, gratuitas, os centro espíritas, as igrejas, casas de apoio como a Amor Exigente, que é mais voltada para doenças da alma. Porque não é todo mundo que tem essa oportunidade. Mas tem muitas pessoas que trabalham de coração. Não precisa investir, tem o que fazer”.

A depressão é uma doença que não tem cura, mas tem controle. Alan acredita que hoje está em processo de superação, mas está sempre vigiando seus pensamentos para não ter recaídas.

A família

Alan acredita que a família nunca o entendeu e contou que muitos só descobriram da doença quando ele expôs na internet.

“A depressão é uma doença que é muito profunda. Então pra pessoa entendê-la, tem que ir mais profundo na mentalidade humana e minha mãe não conseguia. Primeiro porque ela não era tão profunda assim. E segundo porque era doloroso pra ela. Imagine ela realizar, absorver dentro na psique dela, que ela tinha um filho aparentemente perfeito, e que tinha todas essas questões e tentando se matar?”, disse.

A depressão é uma doença que é muito profunda, então pra pessoa entendê-la tem que ir mais profundo na mentalidade humana e minha mãe não conseguia

O pai também só veio a entendê-lo há pouco tempo. Porém o mais difícil foi o irmão mais velho, que não aceita a doença.

O irmão do meio teve problemas com drogas desde quando Alan tinha 13 anos, o que levou a família a frequentar diversos grupos de apoio. Ele conta que começou a entender o irmão por conta da depressão.

“Hoje vejo como fui duro com ele, como eu critiquei, como eu falei pra ele que ele era vagabundo, que ele não queria reagir, que ele ficava na droga porque queria. Até que esses grupos de apoio me fizeram bem, me fizeram entender que era um vício. Só que o vício dele é químico, muito pior, ele cheirava cocaína, era muito forte”, contou.

Alan sempre pede aos familiares de depressivos que lhe procuram que respeitem a situação da pessoa, que não a forcem a sair de casa e entendam que a melhor forma de ajudar é estando perto e dando um abraço.

“Recado pra família: Primeiro, respeite. Segundo, abrace. Terceiro, abrace de novo, olhe no olho. E quarto, procure entender da doença, porque é uma doença de difícil compreensão”.

Ele disse que muitos depressivos deixam de pedir ajuda porque as pessoas não têm tato para lidar com a doença.

 
"A pior coisa para o depressivo é ouvir: ‘Você precisa, você vai, levanta da cama, faz isso’, ‘mas você já tentou ser diferente?’. É como se a gente quisesse ser assim”.

Suicídio
Alan contou que na infância era uma criança muito retraída e medrosa, que chegava a não descer para o recreio na escola por medo de sofrer bullying.

“Mas depois, conforme eu fui crescendo, eu virei um cara muito extrovertido, comunicativo. Aí pronto, as pessoas não sabiam realmente o que eu tinha. Eu falo que eu sou um suicida acima de qualquer suspeita. Porque ninguém imagina”.
 
Ele conta que nunca chegou a tentar se matar, mas via o suicídio como uma saída para sua dor e chegou a escrever uma carta de despedida.

“O suicida não quer deixar de viver, ele quer deixar de sofrer, é diferente. Nós queremos viver muito, mas não imaginamos que tem como viver com uma dor tão grande, ou com um vazio existencial tão grande. A gente não vê luz no fim do túnel e acha que não tem outra opção senão morrer”, disse Alan.

"O suicida não quer deixar de viver, ele quer deixar de sofrer, é diferente"

Em seu livro, Alan dedicou um capítulo somente para o suicídio, que se chama “Suicídio não é uma opção”. E o motivo é que para ele o suicídio já foi uma opção.

“Eu achava que eu tinha três opções na vida. Uma era levantar, dar a volta por cima, sacudir a poeira, igual todo mundo queria que eu fizesse. A outra era voltar para os Estados Unidos, onde morei dois anos e lá eu me sentia bem, porque eu tinha fobia social e lá eu não era ninguém. E a terceira opção era o suicídio”, contou.

O grande motivo que fez com que Alan desistisse de tirar sua vida foi um primo que se matou há pouco mais de um ano.

“Ele deu um tiro na boca lá no Centro de Reabilitação [Dom Aquino Corrêa], no Porto. Ele era um depressivo acima de qualquer suspeita. Um cara muito engraçado e quando aconteceu isso com ele eu fiquei muito impactado, foi uma coisa muito ruim”.

Após a morte do primo, Alan foi estudar a visão do espiritismo sobre o suicídio. Até então ele só tinha lido matérias e visto vídeos de despedidas na internet.

“Quando eu descobri que suicídio não era uma opção, fiquei pior ainda no começo, porque fiquei sem uma opção”.

A campanha
Da preocupação com o aumento do número de suicídio e da vontade de ajudar o próximo nasceu a campanha “Tenho depressão e agora?”.

Alan já queria fazer algo há muito tempo, mas não se sentia pronto emocionalmente.
 
"Esse ano recebi uma reportagem de um amigo sobre a Organização Mundial da Saúde dedicando o ano de 2017 à depressão e ao suicídio. Ai senti no meu coração que era a hora. Eu já estava em processo de cura e superação”, contou.

O projeto, segundo o criador, não tem cunho financeiro.

“Eu não estou querendo dinheiro, eu estou querendo passar meu amor, passar minha história. A ideia é levar essa palavra, toda essa bagagem. Eu sou só um cara que dei voz a várias vozes abafadas”.

São quatro fases que compõem o projeto: o livro, o talk show, o canal no Youtube e, futuramente, a casa de apoio, que se chamará “Casa vida e amor”.

Eu te dou o que eu tenho de melhor, porque eu acho que se a gente se doa, o mundo volta pra gente, se a gente faz caridade de coração, quem vai estar recebendo a caridade somos nós

“Lá dentro haverá várias ideias de atitudes de autoamor. Por exemplo, meditação, heiki, tratamento pelas cores, uma sala dedicada ao espiritismo, uma sala dedicada à Bíblia. Eu quero que seja um lugar em que a pessoa vá e possa trabalhar o seu autoamor. E eu quero trabalhar muito a família, porque a família é primordial pra qualquer coisa”.

No talk show, Alan fala sobre depressão, bullying, suicídio, ansiedade, superação e auto amor de forma descontraída.

No último, realizado em junho, a entrada era um quilo de alimento não perecível e um abraço.

“Foram 600 pessoas, eu abracei 450. Eu não consegui abraçar todo mundo, porque eu precisava começar o depoimento”, contou aos risos.

“Eu sou muito do compartilhar. Eu te dou o que eu tenho de melhor, porque eu acho que se a gente se doa, o mundo volta pra gente, se a gente faz caridade de coração, quem vai estar recebendo a caridade somos nós”.

O livro
O livro carrega o mesmo nome da campanha “Tenho depressão e agora?”.

São sete capítulos sobre a história de Alan, três participações especiais, uma sobre depressão e autoestima, com a psicóloga Flávia Haddad, uma sobre a depressão e o mundo digital, com a especialista em netnografia e comportamento digital Maria Augusta Ribeiro e outra de uma adolescente de 14 anos que conta sua história com a doença.

Ainda há um capítulo formado por um compilado com 11 relatos reais escolhidos por Alan de histórias que mandam para ele. 

“Eu falo desses assuntos de forma muito colorida. Eu quis chutar a porta do preto. Porque se você coloca na internet a palavra depressão, as coisas são deprimentes. Então a minha ideia é justamente tratar de uma forma muito leve temas tão pesados e de uma forma colorida”.

"A minha ideia é justamente tratar de uma forma muito leve temas tão pesados e de uma forma colorida"

O livro é todo ilustrado por criações de Rafael Jonnier.

Conselho
Para quem ainda não alcançou o processo de superação, Alan dá algumas dicas para começar.

“Essa pessoa precisa se abrir com alguém de coração, alguém que ela confie. Ela precisa olhar pra ela mesma e respeitar tudo que ela está sentindo, tudo que ela está passando. O autorrespeito é importantíssimo”, disse.

Ele acredita que se respeitar e conversar com uma pessoa de confiança é a primeira porta do processo de cura.

Depois, Alan aconselha que a pessoa procure um profissional. E explica que não se dar bem de primeira com o psicólogo, ou psiquiatra, é comum, mas se realmente não der certo, o depressivo deve procurar outro profissional.

“Eu falo que minhas profissionais foram anjos da poltrona, porque se eu não as tivesse, eu não estava mais aqui. Você precisa ter empatia. Se você não tiver empatia o processo de análise não continua”.

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