quinta-feira, 13 de julho de 2017

Arte que ajuda a tratar a depressão

CORREIO BRAZILIENSE

Jovens encontram na expressão artística uma maneira de superar a doença

 
Bernardo Moreira/Reprodução
 
Durante a adolescência, o estudante Bernardo Moreira sofria bullying na escola por ser baixo e magro. Por volta dos 15 e 16 anos, enfrentou a crise mais aguda. A depressão fazia parte da vida de Bernardo. O estudante não é exceção no que se refere a esse quadro. De acordo com pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS), realizada em fevereiro de 2017, o Brasil é o país com o maior número de pessoas depressivas da América Latina. Em Brasília, jovens enfrentam e superam a depressão por meio da arte.

A adolescência foi um período de muita dor e sofrimento para Bernardo. Ele costuma dizer que a fotografia o encontrou. Hoje, aos 20 anos, o artista publicou um livro, fez oito exposições pelo Brasil, além de ministrar cursos e workshops por várias cidades do país. Por meio da arte, Bernardo encontrou uma nova percepção do mundo ao redor.

“Eu sofria bullying na escola por causa do meu tamanho e peso. Teve um dia que eu apanhei feio e rompi o ligamento do dedo da mão. Foi péssimo. Isso piorou o meu grau de depressão. Comecei a fazer autorretratos e o bullying aumentou”, relembra Bernardo sobre a trajetória de como iniciou os projetos na fotografia.

Na adolescência, Pryscilla Dantas sofria de obesidade. Aos 15 anos, pesava 110 quilos. Passados quase 10 anos, é fotógrafa e atriz. O autorretrato foi a maneira de conseguir superar a depressão.

Assim como Bernardo, Pryscilla passou por momentos difíceis: “A escola é uma fase da vida muito dolorosa. É difícil segurar a barra. Eu saía pro intervalo e não conseguia ficar ali. Eu era humilhada, as pessoas me magoavam e me machucavam”. Aos 15 anos, ganhou a primeira câmera. A fotógrafa e artista afirma que não sabia ao certo o que estava fazendo, todavia, o autorretrato a ajudou no processo de se perceber. A partir daí, procurou ajuda médica.

Karina Santiago começou o tratamento para a depressão em julho de 2016. Em novembro do mesmo ano, começou com as produções artísticas. Hoje, ela se dedica aos desenhos como forma de ajuda no tratamento da doença. “A arte não cura a depressão, é só um meio. As pessoas precisam pedir ajuda”, ressalta. Os dias eram longos e Karina não tinha vontade de sair do quarto. A dor e o sofrimento se tornaram as companhias da artista. Apesar disso, criou forças e encontrou saída.

Após a execução de autorretratos, a artista plástica iniciou a representação dos momentos de crise por meio de desenhos. “A ajuda profissional me coloca em um estado melhor e a arte me deixa 100%”, atesta Karina. Especialistas apontam que os estímulos psíquicos podem ser provocados por meio do contato com as manifestações artísticas. A partir disso, o processo do tratamento é facilitado. Segundo o doutor em psicologia André Piccoli, a arte não é a cura, entretanto, o contato com expressões artísticas torna melhor a fluidez do processo de tratamento.
Pryscilla Dantas/Reprodução
É fundamental o acompanhamento de profissionais da saúde para o tratamento da depressão. “A arte se propõe a representar sentimentos. Nada melhor do que isso para que possamos nos compreender. O objetivo do processo de tratamento, muitas  vezes, não é a cura. Mas, sim, compreender o que impede o desenvolvimento do paciente”, reforça a psicóloga Verena Bello.

De acordo com a pesquisa da OMS, a depressão é a doença que mais contribui com a incapacidade no mundo. Além disso, é a principal causa de mortes por suicídio — com cerca de 800 mil casos por ano — e é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

DEPOIMENTOS

Bernardo Moreira
“Antes, eu tinha muitos pensamentos presos que eu não conseguia me expressar por meio das palavras. Com a fotografia, eu comecei a expressar para fora um mundo que eu vivo dentro de mim. Para um garoto que sofria bullying na escola, que não conseguia nem falar direito e, agora, consegue se expressar… é uma realização. O que eu fotografo hoje vem da minha história. A fotografia mudou a minha percepção do mundo. Aprimorou meu modo de viver”.

Clara Molina/Divulgação

Pryscilla Dantas
“A arte é tudo na minha vida. Sem a arte não tem mais sentido. Na fotografia e no teatro eu me encaixo muito. Ainda hoje eu preciso de ajuda. Eu melhorei muito. É um processo que eu tenho que aprender a lidar”.



Karina Santiago
“Antes, existia um vidro em que eu estava de um lado e todas as pessoas de outro. Quando eu comecei a fazer meus trabalhos, é como se eu tivesse arrancado esse vidro e agora eu posso comunicar sobre esse assunto (depressão) com outras pessoas”.


Clara Molina
“Comecei a fotografar nu, fazendo autorretratos. Foi uma forma terapêutica de lidar com meu corpo e com questões femininas muito delicadas. A sociedade prega um padrão modelo, e bem nessa fase, sentimos essa pressão social de sermos perfeitas. Quando não temos o corpo ideal, sofremos muito com isso. Foi uma libertação; um jeito de eu ver o corpo de forma sublime, como objeto de estudo e principalmente: entender a particularidade de cada corpo. Nessa fase, decidi seguir a arte profissionalmente. Minha relação com o mundo e minhas percepções fizeram-me perceber a beleza nos pequenos detalhes do cotidiano”.


Dhiefferson Lopes
“Se a dança está longe de mim, eu também estou longe de mim. Não é só meu hobbie ou prática corporal, a dança é meu combustível de vida. Quando não me expresso corporalmente, é como se tivessem tirado algo da minha essência. Sem essa arte, é como se a vida não fluísse. A dança me conecta ao invisível. Quando eu danço, exponho de forma significativa meus sentimentos. Eu trago para mim outro universo. Eu me sinto últi. A dança não é um escape, é o que me ajuda a prosseguir”.

Memória

Um dos artistas mais emblemáticos que lidou com a depressão, Vincent Van-Gogh atirou contra o peito em 1890. Tons amarelados, pinceladas, tonalidades contrastantes, curvas em espiral são características marcantes nas obras do artista.

Ludwig van Beethoven sofria de uma doença irreversível de perda de audição. O quadro se agravou aos 28 anos. O problema o levou à depressão profunda e ao uso excessivo de álcool.

No último ano de vida, Renato Russo se entregou ao álcool e a outras drogas devido à solidão que sentia. Um mês antes de morrer, o cantor entrou em depressão profunda. O artista faleceu em 1996, diagnosticado com Aids.


Francesca Woodman se autorretratatou incontáveis vezes antes de cometer suicídio, com apenas 22 anos. A artista tinha uma linguagem única e bastante notável. Ainda hoje, as obras de Francesca fascinam admiradores da arte.
 
*Estagiário sob supervisão de Severino Francisco  

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