quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alunos têm "CãoLega" contra o bullying em escola no Recife

Para ajudar na autoestima de crianças com deficiência, Escola Municipal Antônio Heráclio, na Zona Norte do Recife, trabalha com cachorros em sala de aula


Por Moema França, da Folha de Pernambuco

Duas casinhas de cachorro na chegada da Escola Municipal Antônio Heráclio, em Água Fria, Zona Norte do Recife, anunciam a presença dos cães Júlio e Júlia entre os estudantes. Os vira-latas que moram na escola fazem parte do projeto CãoLega, que trabalha a socialização dos alunos em sala de aula e já dura dois anos. No segundo ano do projeto, a ideia da professora Juliana Ramos foi trazer os animais ainda mais para perto como uma estratégia de lidar com o bullying contra estudantes com deficiência.
    Os resultados foram notados no comportamento do estudante Fernando Melo, 14 anos. Ele tem um desvio na coluna desde que nasceu e usa cadeira de rodas para se locomover. O jovem surpreendeu as professoras ao mostrar que consegue andar, mesmo com dificuldades, para passear com os cachorros no pátio da escola. Hoje ele é um dos responsáveis por dar banho e cuidar dos animais, algo que o estimula diariamente a ir ao colégio. “Eu gosto de cuidar deles e fiquei mais amigo das pessoas. Antes eu não me levantava, quando andava era rastejando pelo chão”, conta o adolescente.




    A professora Juliana Ramos, umas das coordenadoras do projeto, defende que as responsabilidades com os animais estimulam a autoestima dos jovens. “De repente a gente descobriu que Fernando faz fisioterapia e conseguia andar. Ele ficava oito horas aqui, na aula, sentado sem estimular a musculatura. Ele tinha timidez, vergonha, era tratado de forma diferente”, relata. A escola tem 30 estudantes com algum tipo de necessidade especial, mas nem todos têm laudo médico.
    A rede municipal de ensino do Recife tem 3.600 alunos com deficiência atualmente. Eles contam com Atendimento Educacional Especializado (AEE) de 254 professores, que desenvolvem trabalhos direcionados em 309 unidades de ensino da Capital. São 98 salas com recursos multifuncionais e o suporte extra de 150 agentes de apoio para alunos que são mais dependentes. A estratégia do CãoLega é exclusiva da Escola Antônio Heráclio.
    Educando para respeitar
    Os cachorros chegaram à escola no final de 2011, mas só foram efetivamente adotados com o apoio da Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais (Seda) da Prefeitura do Recife em 2014.
    Apenas este ano, contudo, que a temática da inclusão social começou a ser trabalhada. “Percebemos que as crianças especiais sofriam muito e não podiam merendar que os alunos jogavam terra no prato de comida, por exemplo. Vimos que, quando os cachorros estavam por perto, todas as crianças ficavam mais carinhosas e se respeitavam mais”, explica a professora Lucimeire Ribeiro Dias, também coordenadora do CãoLega.
    O caso de Fernando é de significativa mudança, pois o jovem já havia parado de frequentar as aulas por um ano por não se sentir confortável diante dos colegas de classe. A adolescente Maria Eduarda Ferreira, 17 anos, tem deficiência também se sentia desrespeitada com o tratamento dos colegas desde que entrou na escola, em 2014. “Eu sofria muito bullying, e só paravam de mexer comigo se eu falasse com os professores. Com os cachorros, as pessoas ficaram um pouco mais legais e amigas”, diz.
    No campo da pedagogia, trazer animais para dentro da sala de aula pode ter efeitos positivos na relação entre os alunos que, no caso da Escola Antônio Heráclio, apresentavam tendência ao comportamento violento. A prática, no entanto, não pode ser a única estratégia no combate do bullying. “É claro que o animal vai ajudar, mas o educador precisa trabalhar a reflexão dos estudantes, fazer eles se colocarem no lugar do outro. Infelizmente é uma cultura da beleza, da perfeição que fomos desenvolvendo, em que o que não é tão belo vira motivo de chacota. A criança pode ser mais bonita nos valores que ela traz do que o corpo que ela presenta", argumenta a pedagoga Vera Lúcia Anderson.
    A psicoterapeuta Ana Rique acredita que a presença de animais muda o ambiente. “O animal, por si só, já pede cuidado, carinho e atenção e você tende a se desarmar. Então todo mundo quer dar atenção ao cachorro e muda o foco do desentendimento entre os estudantes. Mas claro que isso não desconsidera a importância de preparar a criança para que elas se fortaleçam e não se traumatizem quando sofrem bullying”, pontua.

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