quinta-feira, 9 de julho de 2015

O bullying na formação existe e é preocupante

ESTUDO DIZ QUE 10% DOS JOVENS JÁ FORAM VÍTIMAS

Autor: VALTER MARQUES

Fotos: FERNANDO FERREIRA


Fonte: Record
Miguel Nery e Carlos Neto lideram investigação em Portugal.
 
"O bullying na formação desportiva é uma realidade preocupante que tem que ser erradicada." É assim que Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), encara a problemática, a qual está determinado a compreender e combater, juntamente com o doutorando Miguel Nery, com quem está a desenvolver um estudo cujos resultados começam a surgir.

Ter uma noção da realidade foi o primeiro passo, e dos 1458 atletas que responderam ao questionário, cerca de 10% assumem já ter sofrido maus tratos no âmbito da prática desportiva em contexto de formação. Além disso, as vítimas ocasionais são uma realidade transversal às nove modalidades analisadas, embora no que se refere à repetição de agressões apenas não se verifica na ginástica. Estes dados sugerem que uma das consequências seja a "desistência ou a mudança de modalidade".

Silêncio

O que se torna preocupante é que as agressões se verifiquem dentro do clube (71,8%) ou noutros locais dentro deste (21,8%), nomeadamente no balneário – longe dos olhares dos treinadores –, embora estes abusos não sejam, na sua maioria, denunciados. O sofrimento em silêncio leva a que não haja, na maioria das vezes, uma tentativa de resolução por parte dos responsáveis.

São dados que traduzem realidades que podem parecer distantes, mas não. São números de crianças e jovens que passam por momentos difíceis e que levam, muitas vezes, à exclusão. "Quantos jovens não estarão nesta altura a sofrer? Quantos grandes atletas se perderam?". São questões levantadas por Carlos Neto e que devem levar as autoridades a preocupar-se: "É necessário um investimento sério. Os organismos do Estado têm de se preocupar."

Presença de adulto atenua problema

• Os números agora conhecidos são preocupantes. Ainda assim, poderiam ser piores caso não houvesse um adulto por perto. Esta é uma das conclusões de Miguel Nery, o investigador que percorreu 97 clubes de Norte a Sul do país e conseguiu que 1458 atletas respondessem ao questionário, sendo que 127 foram entrevistados, tal como 32 treinadores. Das modalidades em que incidiu o estudo há ilações positivas: a praticamente nula existência de cyberbullying e ainda de bullying racista.

Sensibilização vai arrancar

Portugal vai conhecer, pela primeira vez, uma campanha de combate ao bullying no âmbito da formação desportiva. Numa parceria que será desenvolvida entre a FMH e o IPDJ, vai apostar-se em intervenções de caráter institucional, na qual se irá procurar sensibilizar as entidades desportivas, como federações e clubes. Mas não só: à imagem do que é feito a nível internacional, serão feitas campanhas de sensibilização junto dos jovens, nas escolas, através de flyers e palestras. E este será mesmo o primeiro passo, prevendo-se que tal se verifique já a partir do próximo ano letivo.

A criação de linhas de apoio telefónicas e sites informativos com orientações destinadas aos pais e atletas também está prevista, tal como uma maior presença desta problemática na formação de treinadores e professores.

Reino Unido na vanguarda

Se em Portugal se está a dar os primeiros passos no combate ao bullying em contexto de formação desportiva, há vários países que já se dedicam a esta temática há vários anos. Entre eles está o Reino Unido, que em 1985 já tinha uma entidade – a Kidscape – que alertava para a violência entre pares. Seguiram-se, depois, várias instituições vocacionadas para o desporto, como o Stomp Out Bullying ou a Cornwallsports.

Os EUA e o Canadá também têm sido referências nesta luta, mas não é só nos países mais desenvolvidos que se assiste ao fenómeno. No Brasil há programas de intervenção de grande alcance, tal como sucede no México, com o Comité Olímpico do país a ter um papel determinante.

Augusto Baganha: «Há que apostar na prevenção»
Augusto Baganha decidido a travar o problema.

Augusto Baganha é o presidente do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), entidade que, em conjunto com a Faculdade de Motricidade Humana (FMH), está empenhada em erradicar o bullying da formação desportiva.

"O IPDJ é responsável pela implementação das políticas desportivas, de forma alguma se poderia alhear deste fenómeno que deve preocupar todos os agentes desportivos. É nosso dever ajudar a resolver este problema apostando na prevenção", justificou, assinalando de que forma se irá assistir a este combate: "Inicialmente, daremos prioridade à divulgação e informação sobre bullying no desporto. Depois, numa segunda fase, avançaremos para a formação junto de clubes, escolas e agentes desportivos, e, numa terceira fase, queremos divulgar resultados."

Augusto Baganha não deixa de lamentar que se tenha acordado tarde para esta situação, mas sublinha o empenho nesta causa. "Tem sido uma realidade escondida e muitas vezes o agredido receia exteriorizar ou denunciar, o que não tem ajudado ao combate com maior eficácia. A realidade mudou e temos de conseguir abrir canais que facilitem essa exteriorização. Considero que a ação de todos os agentes é fundamental para que possamos evitar que as situações de abandono da prática desportiva aconteçam, sobretudo nas camadas mais jovens", concluiu.

NÚMEROS

46 por cento das vítimas de bullying no contexto da formação desportiva sofreram de maus tratos verbais, enquanto apenas 8,2% reconheceram terem sido vítimas de violência física

90 Percentagem de jovens que sofreram bullying de forma ocasional, sendo que o número cai para 10% quando se trata de agressões recorrentes

9 Quantidade de modalidades sobre as quais incidiu o estudo. A saber: ginástica, natação, atletismo, voleibol, futebol, râguebi, andebol, judo e luta livre

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