terça-feira, 7 de julho de 2015

Fotomontagem de mulher para no chefe e revela a violência de grupos do WhatsApp

Paula Maciulevicius do Campo Grande News
Terra de ninguém, os grupos de WhatsApp detonam e expõem mulheres por fotos e montagens. (Foto: Vanessa Tamires)"Terra de ninguém", os grupos de WhatsApp detonam e expõem mulheres por fotos e montagens. (Foto: Vanessa Tamires)
Como se não bastasse a violência doméstica, com as redes sociais a mulher sofre com a virtual. "Terra de ninguém", os grupos de WhatsApp detonam e expõem mulheres por fotos e montagens. Os integrantes? A maioria "amigos" e que acham que o que estão repassando, não passa de uma brincadeira.
Há algumas semanas a personagem dessa história foi surpreendida com uma conversa pelo chefe. Ele a chamou numa segunda de manhã e mostrou o que recebeu de várias pessoas. "Era a minha foto com um meme que fizeram. Estava escrito o nome de uma pessoa dizendo assim, 'você está assistindo jogo, enquanto eu aqui sozinha'", conta. A foto foi retirada do Instagram da jovem onde ela aparece de biquini, dentro da piscina, com uma taça de champagne. 
"Só aparece da cintura para cima e ainda dentro d'água. A hora que ele me mostrou, eu fiquei tão sem graça. Não sabia se eu chorava, fiquei sem saber o que fazer", lembra. Numa conversa com amigos, comentaram com ela a existência de grupos de WhatsApp que faziam esse tipo de "brincadeira".
"Era uma coisa interna desse grupo e diz que quem tinha feito ficou muito bravo, porque vazaram a foto. Meu chefe disse que mais de uma pessoa mostrou". 
No contexto, a vítima elenca vários fatores que causam revolta. A começar por quem fez a foto, quem divulgou e fez questão de ainda mostrar ao chefe dela. "Me chateou muito, me senti lesada, vulnerável, exposta, ferida. A gente não sabe o que fazem pelas nossas costas. Isso foi uma das coisas que vi. A gente não sabe se tem muito pior e ninguém está livre disso. Não tem como fugir, é questão de consciência".
Psicóloga esclarece que brincadeira é só quando os 2 lados se divertem. (Foto: Fernando Antunes)Psicóloga esclarece que brincadeira é só quando os 2 lados se divertem. (Foto: Fernando Antunes)
Lado B foi ouvir o "outro lado". Um integrante que faz parte do grupo de onde saiu a fotomontagem da personagem. De início, o rapaz conta que faz parte de vários grupos de WhatsApp onde os homens trocam fotos, vídeos e piadas. "É um zoando o outro. Às vezes aparece uma montagem, só no intuito de ficar entre a gente, mas acaba vazando".
Quando questionado se aquilo era uma 'brincadeira', ele responde que brincadeiras têm de ter limites, mas que a confiança entre eles é muito grande. "A gente tem um pacto de que tudo o que fala no grupo, fica no grupo. O problema é que não tem a garantia de que não vai vazar. Mas poucas vezes tem coisa de fora, é só dos integrantes mesmo", descreve.
A preocupação dele não é pela montagem, mas sim de ter vazado para outras pessoas a "brincadeira". "Aquilo não é uma montagem, é um print. Printaram e mandaram, era coisa entre a gente só. Se é violência? É né. Mas para a gente, na verdade, era uma brincadeira, só que você não tem a real noção do que pode acontecer. Podia ser minha mãe, irmã, namorada", admite.
Defensora explica que caso pode gerar pedido de indenização por danos morais. (Foto: Fernando Antunes)Defensora explica que caso pode gerar pedido de indenização por danos morais. (Foto: Fernando Antunes)
No gancho da fala do integrante, a psicóloga do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, Keila de Oliveira Antônio, explica que a questão não é nem colocar a família ou namorada no lugar. "Você não deve fazer isso com ninguém. Não é pensar que podia ser sua filha, namorada. Não. É não fazer isso com ninguém", afirma.
A "brincadeira", que no texto usamos entre aspas, não leva este nome e a psicóloga explica o porquê: "Brincadeira é quando as duas partes se divertem. Se uma não está, não é uma brincadeira. Qual é o limite dessa brincadeira? As partes estão gostando? Permitindo?" questiona Keila.
O fato, na visão da Defensoria, é uma violência contra à mulher e a sua intimidade. "É uma forma de violência sim, é exploração da imagem dela como se fosse um objeto. É uma imagem que ela não permitiu a divulgação, ainda mais se acrescentando um conteúdo machista", frisa a defensora Graziele Carra Dias Ocáriz.
A legislação brasileira, segundo o órgão, ainda é falha e não contempla crimes de internet. Aos poucos, novas leis como da Carolina Dieckman, estão responsabilizando tais crimes. "É preciso ter a consciência de não encaminhar essa imagem, as punições ainda são na esfera civil, mas ela pode entrar com ação por danos morais, indenização e se sofrer represália no emprego, por exemplo, danos materiais", completa Graziele.
A Constituição prevê a privacidade de imagem. O que responde a perguntas como "quem mandou tirar a foto? Quem mandou postar?"
"A gente vive num país machista ainda, mas ela tem o direito de imagem e isso é o uso indevido. Estão violando esse direito e querendo colocar, de novo, a culpa na vítima. Daqui a pouco eu não vou ter mais o direito de postar uma foto, porque vou estar me expondo?"

Nenhum comentário:

Postar um comentário