quarta-feira, 24 de abril de 2013

Cinema também entra no debate do bullying

Bullying se espalha entre produtos audiovisuais crivados de tensão, como o recente Depois de Lúcia, do mexicano Michel Franco


Ricardo Daehn - Correio Braziliense

Crédito: Imovision/Divulgação
Crédito: Imovision/Divulgação
"Quando criei o filme, não pensei: 'Quero fazer algo contra o bullying'. Não me predispus a dar mensagens. Não cabe a um cineasta educar. Ele tem, na verdade, que ser sensível ao que passa a seu redor", avalia o diretor mexicano Michel Franco, ao tratar do polêmico longa-metragem Depois de Lúcia. Aos 33 anos, Michel ficou cada vez mais intrigado com os efeitos das mudanças tecnológicas e sociais, indissociáveis a uma dose de pessimismo. "Quando eu ia à escola, não existia internet nem celulares. Havia bullying, mas não com os extremos propagados pelos atuais aparatos de comunicação. Um dia desses, aliás, houve a notícia do suicídio de mais uma menina que sofria com o mal. No meu filme, não propus desmedida ficção nem exagerei. De modo triste, percebo que é a realidade", comenta o diretor em entrevista exclusiva ao Correio. Há poucos dias apresentado em Brasília, o longa já terá lançamento em DVD, marcado para julho.

Vencedor da mostra Um Certo Olhar, no último Festival de Cannes, Depois de Lúcia retrata a degeneração moral e ética dos colegas de classe da jovem Alejandra (Tessa Ia) que, órfã de mãe, deixou a cidade de Puerto Vallarta, rumo à capital mexicana, na companhia do desestruturado pai viúvo (Hernán Mendoza Gonzálo). “Não podemos tiranizar o papel das ferramentas de comunicação, mas os adolescentes e grupos sociais se perdem em confusões dos usos. Os problemas atuais crescem de maneira muito rápida, muitas vezes, ligados a temas sexuais”, reforça. A boa repercussão e o barulho despertado com o filme pegaram Michel desprevenido.
 “Não tem música e é um filme forte. Como não recebeu o rótulo de filme de arte, acho que se aproximou do público. Tive êxito nas bilheterias, em muitos países. Só no México, tivemos quase 1 milhão de espectadores. Por não ser de gênero nem comercial, é um número bem expressivo", comemora. Michel endossa um diálogo da fita atual com o longa de estreia dele, Daniel e Ana (2009). "Há uma unidade e algo de congruência. Trato da inquietação dos adolescentes, de problemas graves em uma família diminuta e do fato de, ao buscar melhoraras na vida, personagens ocasionarem feridas em quem amam", diz.

Fator que amenizou as filmagens, naturalmente tornadas relaxadas, veio da escolha da protagonista, dada a amizade do diretor com a família. “Ela interagiu no filme com os amigos de verdade. Isso gerou um enorme ambiente de confiança. Mesmo nos momentos de maior violência, não tivemos clima de tensão”, explica. Em cena, a menina é condenada ao papel de vítima, em rotina movida a sexo e bebedeira juvenil. "Treinei muito, entre quem molestava e os que eram molestados em cena. Pesquisei muitos casos relevantes como estudo para feitura de legislação e para discussões. Fui a campo, em escolas", explica. 

Indigesta relação

O sofrimento de Alejandra envolve ataque não apenas de novos colegas de escola, como José (Vega Sisto) e Manuel (Juan Carlos Berruencos), mas também ao processo deprimente de depreciação, que inclui abusos com urina e vômito. Em menor escala, é comparável a Salò - ou os 120 dias de sodoma, de Pier Paolo Pasolini. "A cena da torta, que é uma sequência muito dura no meu filme, foi a mais perturbadora para as pessoas, ainda que ache outras cenas mais fortes. Talvez tenha a ver com a resignação da personagem. Acho Salò uma obra-prima, mas não me espelhei. Provavelmente faça parte do meu inconsciente cinematográfico", deduz.

Envolvido na finalização do mais recente longa (A los ojos), Michel Franco deixa aparente o compromisso social, já que a trama envolve uma assistente social dada a ajudar meninos de rua. O cineasta é admirador de diretores como Gus Van Sant e Leonardo Favio, que já abordaram crueldade juvenil e “abraçam um cinema dotado de riscos”, em filmes como Elefante Crônica de um menino solitário. "EmDepois de Lúcia, acabei permeando com temas como machismo, que ocorre em medida similar na América Latina e, claro, com violência. Ela está na casa, na rua, no trabalho e na falta de comunicação. Isso é o mais interessante", conclui.

Hora de reagirO "cara de peixe" Alex, a "burra, idiota" Ja’meya e, talvez, você, que lê estas linhas, estão no documentário Bullying, de Lee Hirsch. Todos passaram pela sorrateira opressão de conhecidos, mais acirrada na época dos bancos escolares. Recém-lançado em DVD, o filme Bullying expõe a formação de uma enérgica rede (mobilizada pelo pai de um menino que perdeu a vida) capaz de romper padrões de (falta) de comportamento social. “Estamos conversando e fazendo a diferença”, conta um pai de luto, unido por dor e lágrimas, a outro pai — no caso, do jovem Tyler, morto pelo "abuso mental" ofertado pelos colegas. "Tenho que viver", confessa o pai do rapaz morto aos 17 anos. Solitário, Tyler teve, no menor dos abusos, o cabelo raspado no vestiário por terceiros. Decidiu ter "chegado a seu limite", pelo que conta o pai.

Estudantes são cruéis nessa idade” e "deixe seu filho resolver" é a cantilena ouvida, recorrentemente, pelos pais norte-americanos, junto à direção de colégios omissos e de professores que dão de ombros. Em Iowa, a quebra do pomo de Adão de Alex, 12 anos, pelo que mostra a fita, é a menor das ameaças que se revelam aviltantes e incluem uso de facas e de cabo de vassoura. Verdadeiro pesadelo também se instala em Tuttle (Oklahoma), na vida de Kelby, 16 anos, homossexual inserida num "cinturão de Bíblia", como ela diz.

Mas, Kelby parece resistir — "Se eu for (embora), eles vencerão", defende a moça. Bullying mostra ainda não só tomadas de atitudes, mas o reverso destas, gerando discussões em torno de imposições de terrenos, "saco de pancadas" indefesos, lida inconsequente com armas, enterros prematuros e indicativos de mudanças. Um filme engajado, dolorido, mas necessário.
Fonte: Diário de Pernambuco

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