segunda-feira, 15 de maio de 2017

Cyberbullying e seus desdobramentos jurídicos e sociais

JOTA

Por que 13 reasons why é uma discussão interessante que envolve diversos aspectos legais


Lia Calegari da Cunha

No final do mês de março, a Netflix lançou uma série baseada em um livro americano denominado 13 reasons why (os 13 porquês), que trata sobre uma adolescente de 17 anos que comete suicídio após sofrer bullying e abusos sexuais na época do ensino médio.

Muitas pessoas nas redes sociais, com o sucesso da série, alegam que sofreram bullying na adolescência e, mesmo assim, “sobreviveram”. Esse discurso é intrigante por vários motivos, mas principalmente pelo fato de que, na adolescência dessas pessoas, não havia o acesso à internet que existe hoje.

A série em si traz abertura para vários tipos de análises, como a frieza da relação entre pais e filhos, o machismo incrustado nas relações sociais, a importância da prevenção ao suicídio, a comunicação entre escola e alunos e, principalmente, para o mundo jurídico, o crescimento do cyberbullying.

Primeiramente, é importante ressaltar que o bullying é definido como sendo um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos, adotado por uma ou mais pessoas contra outras, sem motivos evidentes, causando dor e sofrimento, e executado dentro de uma relação desigual de poder, possibilitando a intimidação. O bullying revela uma violência covarde preponderantemente perturbadora, uma vez que tem reflexos incontestáveis na convivência social.

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É bem possível que alguns crimes bárbaros foram cometidos por vítimas de bullying que, como reflexo de muita hostilização e tomadas por uma ira incontrolável, acabaram por “explodir” em cenários sangrentos. É o famoso caso do Instituto Columbine, nos Estados Unidos, Colorado, onde Eric Harris e Dylan Klebold, vítimas de bullying, entraram na escola e atiraram contra professores e colegas e, após matar 12 alunos e um professor, cometeram suicídio. Isso ocorreu em 1999 e, de acordo com relatos do caso, os alunos sofreram bullying durante quatro anos, sendo chamados de “os perdedores dos perdedores”, além de ofensas homofóbicas e humilhações perante toda a escola.

Veja que não são raros esses casos de massacres em escolas. Em 2005, um aluno de 16 anos matou cinco colegas, um professor e um segurança numa escola em Minnesota (EUA). Em 2006, na Alemanha, um ex-aluno abriu fogo numa escola, deixou 11 feridos e cometeu suicídio em seguida.

Esse cenário apenas fica mais preocupante com o advento e facilidade do acesso à tecnologia. Atualmente, o mundo virtual vai, progressivamente, confundindo os seus limites com o mundo real no cotidiano de crianças e adolescentes. A internet, o telefone celular e outros equipamentos de tecnologia da informação vão transformando os comportamentos e as formas de se relacionar com a família e com os amigos e possibilita o acesso ao mundo e o compartilhamento de conteúdo em uma velocidade assustadora.

De acordo com o Centro de Pesquisa de Cyberbullying dos Estados Unidos, em 2016, 96.5%[1] dos estudantes de 12 a 14 anos têm celular com acesso à internet. Essa tendência em aderir ao fenômeno de comunicação virtual propicia que qualquer indivíduo possa acessar conteúdo na internet e utilizar as suas ferramentas para difundir suas próprias ideias. Entretanto, essa facilidade, quando má utilizada, pode ter consequências devastadoras.

Assim surgiu o cyberbullying, a violência social difundida através de meios eletrônicos. A protagonista da série ora citada começa a ter sua vida despedaçada após o compartilhamento de uma simples foto de sua calcinha, junto com um discurso ofensivo e pejorativo, por toda sua escola do ensino médio. A partir daí sua vida se transforma em um pesadelo, onde é frequentemente ofendida e excluída dos círculos sociais.

Então, o quão difundido é esse bullying? De acordo com o Centro Nacional de Estatísticas Educacionais dos Estados Unidos[2], em 2016, mais de um em cada cinco estudantes relatou ter sido vítima de bullying, enquanto que, segundo estudo distinto, apenas 36% das crianças que foram intimidadas relataram isso, sugerindo o óbvio: que os alunos não acham fácil falar sobre o assunto.

Ainda, o canal brasileiro de ajuda da Safernet, que oferece orientação e auxílio ao usuário, recebeu, ao longo do ano de 2016, 312 pedidos relacionados à intimidação ou discriminação na rede. Nesse sentido, enfatizou o presidente da Safernet, Thiago Tavares, em uma reportagem sobre violação de direitos humanos e o uso da internet:

“Em uma série histórica de dez anos é a primeira vez que o cyberbullying ocupa primeiro lugar […] Há um reflexo da própria polarização crescente no mundo e no Brasil. Então, a internet como caixa de ressonância na sociedade, acaba reverberando esse sentimento que está presente e que tem crescido, de intolerância, de não respeito às diferenças”.

Assim, restou claro que é um problema social extremamente complexo e a questão da multidisciplinaridade tem sido apontada por especialistas como uma das formas que representa melhor o combate às práticas do bullying.

Pela aparente impunibilidade de suas condutas ou pela própria sistemática jurídica, muitas crianças e adolescentes possuem a certeza de que nada irá acontecer com aqueles que agridem, ofendem e humilham seus pares. Os agressores, nos mesmos termos da Lei Maria da Penha, também precisam de centros de educação e reabilitação específicos, para que não reincidam nos mesmos atos que destroem famílias, sonhos e a autoestima das vítimas.

No momento em que vivemos, não é mais possível afirmar que são brincadeiras sem maldade e, por isso, “passar a mão na cabeça” do agressor. Essas ações devem exigir reações jurídicas proporcionais aos sofrimentos e aos danos que causaram.

Aspectos Jurídicos do bullying

Toda esta devastação moral precisa ser contida e, para isso, devemos analisar essas condutas criminosas sob o aspecto jurídico, definindo o tratamento legal penal dispensado aos autores da prática de cyberbullying.

É óbvio que a vítima tem sua honra atacada ou atingida pelos autores do cyberbullying. Mas o que isso significa?

O cyberbullying nada mais é do que um crime contra a honra praticado em meio virtual, que já está previsto em nosso ordenamento jurídico. Segundo o Código Penal, esse crime pode ser de três tipos: calúnia, injúria ou difamação.

Resumidamente, calúnia é a imputação falsa de um fato criminoso a alguém, enquanto injúria é qualquer ofensa à dignidade de outro. A difamação é a imputação de ato ofensivo à reputação de alguém. Além disso, existe o aumento de pena para quando o crime for praticado na presença de várias pessoas, por meio que facilite a divulgação.

É importante ressaltar, ainda, que, caso os crimes sejam praticados por menores de 18 anos, a prática será caracterizada como ato infracional, punível com medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além de os autores serem inseridos em programa escolar de combate ao bullying, que foi declarado obrigatório nas instituições escolares em 2015.

Essa obrigação acima citada é proveniente da Lei 13.185/15, que institui o programa de combate à intimidação sistemática. Desde 2015, é dever das escolas e clubes adotar medidas de prevenção e combate à prática. Dentre os objetivos do programa estão a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para a implementação de ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema, assim como a orientação de pais e familiares para identificar vítimas e agressores.

Infelizmente a determinação, até então, foi ineficaz, vez que o número de denúncias e condutas do cyberbullying apenas aumentou com o decorrer dos anos e não resolveu a problemática do bullying no Brasil.

Assim, face ao crescente número de casos de violência virtual, caberia ao Ministério Público, nos casos de violência presencial e virtual contra a criança e ao adolescente, além da aplicação de medidas socioeducativas, quando necessário: requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, objetivando a contenção e a prevenção da violência no âmbito escolar e fiscalizar os estabelecimentos de ensino públicos e particulares e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas, que coloquem em risco a integridade de crianças e adolescentes.

Por fim, o mundo globalizado exige ações compatíveis com a gravidade dos acontecimentos e caberá à sociedade civil agir em conjunto com o Poder Judiciário, membros do Ministério Público, conselhos tutelares, União, Estados, municípios e suas respectivas secretarias de educação para que as efetivas medidas protetivas sejam adotadas o mais rápido possível, a fim de evitar que casos como o da referida série se repitam.


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[1] 2016 Cyberbullying Data. Teens use of technology. Disponível em Acesso em 25 de abril de 2017.

[2] National Bullying Prevention Center. Bullying statistics. Disponível em Acesso em 25 de abril de 2017.

Lia Calegari da Cunha - Advogada em Direito Digital e Contratos do Escritório Assis e Mendes Advogados.

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