segunda-feira, 29 de maio de 2017

Falar de bullying e suicídio na adolescência para salvar vidas

O TEMPO

Alunas de escola estadual da capital criam projeto de bate-papo e palestras para ajudar colegas


Ela tinha um sorriso lindo, cursava o ensino médio na Escola Estadual Santos Dumont, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, e era goleira no time de futebol. Uma adolescente que parecia bem. Mas, no início de 2016, ela tirou a própria vida com uma corda. Foi um “baque” para os alunos, uma surpresa para o colégio. Pelos corredores, contam que a jovem deixou mensagens dizendo que pessoas viraram as costas para ela. Boato ou não, pouco se falou sobre a morte. Mas o silêncio que ronda o suicídio agora começa a ser quebrado.
Depois de toda a polêmica envolvendo o Desafio da Baleia Azul, que estimula adolescentes a tirarem a própria vida, e a série da Netflix “13 Reasons Why”, que aborda o suicídio, as alunas Rebeca Lusiana Lima da Silva e Alice Izabelly Franklin Santos, ambas de 17 anos, perceberam que era preciso falar sobre o tema. Na Escola Estadual Santos Dumont, muitos já tinham se cortado, e outros haviam tentado realmente se matar. Rebeca e Alice eram algumas dessas pessoas, e entre as razões estavam o bullying, o ciberbullying, o racismo, a homofobia etc.
Elas não têm medo de se expor. As jovens querem contar suas histórias para poder ajudar outras pessoas a fazer “Sua Escolha”, como aponta o nome que deram ao projeto desenvolvido. O objetivo não é dizer “não se mate”, fala Rebeca, criadora da ação. Mas, sim, dar a chance de os adolescentes pedirem ajuda e serem ouvidos, para que possam se “empoderar” e tomar sua própria decisão.
A aula inaugural, no dia 27 de abril, reuniu cerca de cem pessoas, mais que a capacidade do auditório da unidade de ensino. “Todos prestaram atenção, só uns cinco ficaram conversando no fundão”, destaca Alice.
Logo após apresentarem o projeto e contarem suas histórias, elas receberam pedidos de ajuda de dois alunos, um que estava se cortando e outro que participava do Baleia Azul, com marcas do desafio no corpo.
Dias depois, mais quatro adolescentes relataram algum quadro depressivo. “Temos bullying e estudantes que se cortam. É assustador, mas desafiador”, admite o diretor Ricardo Alves de Lima. Ele conta que não há qualificação dos educadores sobre o assunto, mas total incentivo ao projeto das alunas.
Rebeca e Alice pretendem realizar mais quatro seminários com os temas bullying, depressão, preconceito e suicídio, com a presença de profissionais especializados no assunto, e estão dispostas a levar a ação para outros turnos e escolas.


DISCRIMINAÇÃO

Preconceito marca trajetória

No ensino fundamental, a estudante Rebeca Lusiana Lima da Silva, 17, sempre foi chamada de “maria-homem” por ter um jeito “meio masculino e ser baixinha e gordinha”. Excluída dos grupos, teve uma foto exibida nas redes sociais com o título “forever alone” (sempre sozinha). “Não queria ir para a escola por medo da rejeição”, conta a garota.
No ensino médio, ela percebeu sua homossexualidade e passou a se aceitar melhor. Mas o fim de dois relacionamentos foi a gota d’água para que tentasse se matar. “Foi uma fase complicada, de aceitação difícil por parte da sociedade. Juntou com a pressão sobre que profissão escolher, e tudo virou uma bola de neve”, relata. Ela passou por tratamento e ficou bem, mas viu que em sua sala tinha mais gente com marcas de cortes.
Alice Izabelly Franklin Santos, 17, sempre dizia que havia sido arranhada pelo gato, mas com Rebeca decidiu se abrir. Negra, ela relata que sofreu rejeição e racismo desde que nasceu. “Cheguei a brigar com Deus por ser negra, seria bem mais fácil ser branca”, lembra. Em uma festa de escola, ficou com um rapaz e foi forçada a fazer sexo.
O estupro se repetiu em outro relacionamento, a depressão também, e, por consequência, as tentativas de suicídio. “A violência faz a gente se sentir como algo imprestável, descartável. Isso precisa mudar”, conclui Alice. (LC)

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