segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Thalita Rebouças: “Vendia o jantar para comprar o almoço”


Uma das estrelas da Bienal do Livro de São Paulo, com 2 milhões de livros vendidos, a escritora lembra o começo difícil, revela os assuntos que não abordaria em suas obras juvenis e conta que não tem vontade de ser mãe


POR RAQUEL PINHEIRO Revista quem

Thalita Rebouças adora o tumulto dos adolescentes que esperam por um autógrafo seu. “É a hora que escritor se sente popstar”, brinca a autora de 41 anos, atração da 24ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que vai até o domingo (4). Com 2 milhões de livros vendidos, seu trabalho mais recente – Confissões de uma Garota Excluída, Mal-Amada e (um Pouco) Dramática – aborda o bullying e tem um personagem gay adolescente. “Vai ser protagonista do próximo livro”, adianta Thalita, que sente dificuldade em falar de drogas, racismo ou religião nos seus livros. “São temas difíceis de abordar com humor”, diz ela, que define seu público como “jovens entre 11 e 19 anos”.

Thalita, que foi casada por quase duas décadas e hoje namora o músico Daniel Lopes, de 39, não tem filhos. “Não tenho vocação”, explica ela, que tem livros sendo adaptados para o cinema com nomes como Klara CastanhoIngrid Guimarães eLarissa Manoela nos papéis principais. Ela já apresentou quadros na TV, assina coluna em jornal e tem um programa na internet. Nada mal para quem até os 30 ainda não tinha encontrado estabilidade. “Vivia de frila de jornalismo, vendia o jantar para comprar o almoço”, lembra.
. (Foto: Zô Guimarães / Ed. Globo)
QUEM:  Quando percebeu que poderia ser escritora?
THALITA REBOUÇAS: Aos 10 anos eu já escrevia, mas foi na faculdade que meus professores falaram que podia fazer algo a mais.
Sua família a apoiou?
TR: Não. Meus pais morreram de medo. Falavam: “Você é louca, vai morrer de fome, ninguém lê”. Eu tinha 25 anos, trabalhava em assessoria de imprensa e pedi demissão para batalhar meu sonho. Deu medo, pensei em desistir mil vezes, chorei. Foram seis anos até conseguir alguma estabilidade. Vivia de frila de jornalismo, vendia o jantar para comprar o almoço (risos).
Como se tornou uma autora publicada?
TR: Escrevi um livro com meu ex-marido (Carlos Luz), a editora gostou e encomendou outro. Daí nasceu Traição entre Amigas (2000). Para divulgá-lo, ia às feiras de livros, colocava peruca colorida, dava pirulito em troca de atenção... Meu pai falou que tinha vergonha de dizer que eu ficava de peruca na livraria. Vendi 4 mil exemplares em uma editora pequena, fui bater na porta das grandes. Era a época do sucesso da série Harry Potter, que fez todo mundo ler, e peguei a rebarba.
Ter Filho é fácil, ser mãe é tão difícil! (...) se tiver vontade de ter filho, adoto.Sou capaz de ficar oito horas sem beber água quando escrevo.Já levei cantada de um pai (...). Aí a filha deu bronca: ‘Pai, que mico, nunca mais te trago’.
O que você levou do jornalismo para a carreira de escritora?
TR: Escrever é a arte de cortar palavras e isso eu trouxe do jornalismo. Também tem o respeito ao deadline: sempre entrego meus livros antes do prazo.

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Você vendeu 2 milhões de livros em um país onde se lê pouco. Como se sente?
TR: Me dá muito orgulho. É louco ir a Maceió e ter 500 pessoas me esperando numa fila de cinco horas pelo meu autógrafo. Meu público cresceu e não deixou de gostar de mim, tem da menina de 11 anos à mulher de 30 com filho no colo.
Ainda se emociona ao encontrar fãs?
TR: Sim, porque é cada história... Cadeirantes que contam que meu livro é a companhia deles... Gente que mora em zona de risco e que foi para debaixo da cama ler com lanterninha para esquecer os tiros... É um privilégio.
Escreveria algo erótico?
TR: Não. Mas quem sabe um dia? A (poeta paulista, 1930-2004) Hilda Hilst, por exemplo, fez uma trilogia erótica que todo mundo que gostou de Cinquenta Tons de Cinza tinha de ler para saber o que é um erótico bom! E ela escreveu esses livros depois dos 70 anos... 

O que pensa da pirataria de livros?
TR: Eu denuncio sempre. É o nosso ganha-pão. A gente não faz show, ganha dinheiro com o livro.
Mas deu para ficar rica?
TR: Não posso parar de trabalhar, mas tenho 21 livros. Sempre tem uma graninha entrando, é como um salário. É um luxo poder viver direitinho de literatura.

Como vê o mercado de livro no Brasil?
TR: Está melhor, adolescente lê cada vez mais. O público juvenil é o que mais vende depois de autoajuda. Sinto orgulho de ter feito tanta gente ler e escrever. Meus livros foram adotados em escolas, fui capa de palavras-cruzadas. Achei tão luxuoso (risos)! Livro no Brasil ainda é caro. Mas existem as versões digitais, bem mais baratas.
Já pensou em se candidatar à Academia Brasileira de Letras (ABL)?
TR: Não tenho essa vaidade. O que me enche os olhos é uma mãe chorar e dizer: “Meu filho começou a gostar de ler por sua causa”. Isso é tão mais legal, sem menosprezar a ABL. Mas já tomei chá com os imortais e foi muito bacana. Ivo Pitanguy estava lá e falou: “Nossa, você nunca vai precisar dos meus serviços” (risos).
. (Foto: Zô Guimarães / Ed. Globo)
Que conselho daria para quem quer ser um escritor?
TR: Não desistir. É difícil, mas a vida é só uma. Mande seu livro para várias editoras até conseguir. Se não der certo, vá para uma plataforma na internet, edite independente, distribua você mesmo. Arrume um jeito de fazer o seu negócio virar realidade. Tem uma frase do Fernando Sabino que me define: “No fim tudo dá certo; se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim”.
Como é sua rotina de trabalho?
TR: Escrevo de madrugada. Minha meta são 15 páginas por dia para manter o fluxo criativo. Fico de pijama, descalça, sentada no chão, com o laptop no colo e de perna cruzada. Levo muita bronca do meu ortopedista, porque sou capaz de ficar oito horas sem beber água e sem levantar quando escrevo. Saio torta!
Ter Filho é fácil, ser mãe é tão difícil! (...) se tiver vontade de ter filho, adoto.Sou capaz de ficar oito horas sem beber água quando escrevo.Já levei cantada de um pai (...). Aí a filha deu bronca: ‘Pai, que mico, nunca mais te trago’.
Seus livros têm tocado temas considerados delicados, como bullying, sexo e gravidez. Há algum assunto tabu?
TR: Droga é uma coisa sobre a qual não me sinto à vontade para falar. Precisei escrever 20 livros antes de me sentir madura profissionalmente para falar sobre bullying de maneira delicada e bem-humorada, sem parecer leviana. Droga é um assunto difícil de botar humor, assim como racismo, um tema de que ainda não tratei. Também não falo de política ou religião.

Os adolescentes a assediam?
TR: Não, mas já levei cantada de um pai, que perguntou se o autógrafo não vinha com telefone. Aí a filha deu bronca nele. “Pai, que mico, nunca mais te trago” (risos). Mas é raro.
Sendo tão ligada a esse universo, não quis ser mãe?
TR: Nunca! Ter filho é fácil, ser mãe é tão difícil! Tenho pânico de ver mãe cuidando de filho nas coxas, mãe que fala que ser mãe é maravilhoso e deixa o filho com a babá, sabe? Não tenho vocação.
Ter Filho é fácil, ser mãe é tão difícil! (...) se tiver vontade de ter filho, adoto.Sou capaz de ficar oito horas sem beber água quando escrevo.Já levei cantada de um pai (...). Aí a filha deu bronca: ‘Pai, que mico, nunca mais te trago’.
Em algum momento sentiu o relógio biológico bater?
TR: Não. Como não congelei óvulos, se tiver vontade de ter filho, adoto. Por não ser mãe, acabo não sendo mãe na minha narrativa, o que faz com que os leitores me achem mais amiga do que mãe.
Estar bem para manter essa imagem de amiga é uma preocupação?
TR: Eu me cuido por mim. Faço treinamento funcional e musculação, já botei um “botoquinho”, trato da pele.
As meninas pedem dicas de beleza?
TR: Sim, mas não incentivo. Também me cobram posts sobre malhação. Em um lançamento elas pediram: “Posso apertar sua coxa?”. Me chamam de Thalita BD (bunda dura), acham que ela é durinha. Doce ilusão (risos).

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