sábado, 10 de setembro de 2016

Bullying, 12 cirurgias no olho e milagre: Alice contraria a medicina e voa baixo

Corredora de 20 anos disputa a final dos 100m T12 (deficiência visual) e espera levar sua primeira medalha na Rio 2016 para dar boa resposta a médico que sugeriu aborto


Por Rio de Janeiro
G1
Quando a mãe de Alice Corrêa teve rubéola na gravidez, o médico sugeriu o aborto. Dizia que era melhor desistir da filha, pois a menina não iria falar, ouvir ou pensar, sendo fadada a viver como um vegetal. Marta de Oliveira não deu ouvidos e garantiu que a história seria diferente. Alice nasceu sem enxergar absolutamente nada devido ao glaucoma e à catarata. Tinha 20 dias de vida quando fez a primeira de 12 cirurgias para recuperar parcialmente a visão. Aos nove meses, começou a andar. Certa vez, aos dois anos, estava com a família em casa, quando a tia percebeu a atleta catando grãos de arroz que caíam da panela. Alice sofreu bullying na escola, costumava se isolar nos cantos e nunca era escolhida para o time na educação física ou as peças de teatro. Aos 10, a carioca conheceu o esporte no Instituto Benjamin Constant, instituição de ensino para deficientes visuais, na Urca. Aos 20, corre. Corre muito, e disputa nesta sexta-feira a final dos 100m T12 (para atletas com baixa visão) na Paralimpíada do Rio. 
Medalhista de prata nos 100m e nos 200m do Parapan de Toronto, no ano passado, Alice busca o seu primeiro pódio em Paralimpíadas. A mãe, que era empregada doméstica e a sustentava com um salário mínimo, é uma das grandes inspirações e estará na torcida no Estádio Olímpico.
C=Descrição da imagem: Alice Corrêa e o guia Diogo Cardoso correm lado a lado e estão na final dos 100m T12 da Paralimpíada do Rio (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)Descrição da imagem: Alice Corrêa e o guia Diogo Cardoso correm lado a lado e estão na final dos 100m T12 da Paralimpíada do Rio (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)
- O médico falou para a minha mãe: "Olha, se eu fosse você, eu desistiria da sua filha porque ela só vai vegetar. Minha mãe falou: "Eu não aceito isso para a minha filha, ela será diferente". Quando eu comecei a andar, ela me levou no médico. Ele disse que era um milagre, mas que eu só iria andar, não iria falar, ouvir ou pensar. Um dia, quando eu tinha dois anos, minha mãe estava fazendo comida, e minha tia viu eu pegando o arroz e botando na boca. Ela contou para a minha mãe, que disse que aquilo era impossível, pois o médico disse que eu não iria enxergar. Minha mãe tacava o arroz no chão, eu pegava e comia. Ela me levou no hospital e o médico disse que era milagre. Outro dia, ela viu o médico e falou: "Olha só, você tinha razão quando disse que a minha filha não iria andar. Ela corre". Espero que ele esteja vendo onde eu estou e perceba que estava errado sobre mim - contou Alice, campeã sul-americana nos 100m em 2014. 
A estreia em Paralimpíadas foi em Londres 2012. A velocista tinha apenas 16 anos e terminou em sexto lugar. Na Rio 2016, espera beliscar um lugar no pódio, mesmo tendo pela frente a cubana Omara Castillo, atual campeã paralímpica e mundial, cotada ao ouro nos 100m. Alice espera por este momento há quatro anos. Na temporada passada, abdicou da faculdade de fisioterapia e se dedicou integralmente aos treinos. Superar a favorita ainda é um sonho distante, quem sabe, para Tóquio 2020, porém, a carioca de 20 anos acredita que nada é impossível.
- Em uma final, tudo pode acontecer, mas, para elas ganharem a minha medalha, terão de correr muito. Acho que da para vencer a Omara até 2020, mas, agora, acho que ainda não. Nossa briga é pelo terceiro lugar. Sempre sonhei em chegar numa final de deficiência visual. Só tem quatro atletas, as quatro melhores do mundo. Não estou acreditando até agora que eu consegui, parece que estou sonhando. É aquilo, numa final tudo pode acontecer. Para elas pegarem a medalha de mim elas têm de correr muito - analisou Alice. 
A carioca vivia em Duque de Caxias e passava quase duas horas por dias no ônibus para treinar na Vila Olímpica do Mato Alto, em Jacarepaguá, mas, recentemente, deixou a família e hoje mora sozinha em Curicica, bairro próximo ao local de treinamento. 
- Eu me dediquei muito, abri mão de muita coisa e esperei quatro anos por isso. Não vou dar mole. Abri mão de fazer faculdade para treinar em dois períodos. Tive que sair da casa da mamãe, deixar de ir para farra e passear com os amigos para estar aqui - contou a velocista, que planeja iniciar o curso de psicologia após os Jogos do Rio. 
Terezinha Guilhermina, Alice Correa e Jhulia Santos, mundial paralímpico de atletismo (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)Descrição da imagemÇ Terezinha Guilhermina, Alice Corrêa e Jhulia Santos no Mundial de Doha (Foto: Daniel Zappe/MPIX/CPB)
Para o seu guia e treinador, Diogo Cardoso, este é o melhor momento de Alice na carreira. 
- A Alice está feliz, e uma pessoa feliz e motivada pode alcançar qualquer coisa. Ela está há três semanas isolada da família, de tudo, na preparação em São Paulo. Ficamos trancados no hotel, só treinar, comer e dormir. Tem gente que fala: "É o sonho da vida". Mas é pesado. Ela está bem preparada e focada para superar cada vez mais e fazer o que ainda não fez nessa final. Correndo mais rápido, mais forte, para conquistar essa medalha.

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