domingo, 24 de março de 2013

Processos de violência escolar sobem nas cidades de Portugal


Processos de violência escolar sobem nas cidades Fenómeno 

No ano letivo 2011 /2012 processos na Grande Lisboa subiram 54% e no Grande Porto 43,7%. Houve 4191 crimes.

Processos por violência escolar aumentaram em Lisboa e Porto Fenómeno. Uma subida de 54% na Grande Lisboa e de 43,7% no Grande Porto. PSP e GNR registaram, em conjunto, 4191 crimes nas escolas no ano letivo 2011 /2012. Agressões e ameaças são rotina.
RUTE COELHO

As denúncias por violência escolar, que assume várias formas, como agressões, ameaças e injúrias, furtos ou roubos, estão a aumentar. Em 2012 houve 245 inquéritos abertos por violência escolar na Grande Lisboa, o que representa uma subida de 54% face ao ano anterior (mais 86 processos). Houve também uma subida de 43,7% de inquéritos abertos no Grande Porto (92 processos) face ao ano anterior, segundo dados avançados ao DN pela Procuradoria-Geral da República. O Programa Escola Segura da PSP e o Núcleo Escola Segura (NES) da GNR registaram 4191 crimes nas escolas e no exterior dos estabelecimentos de ensino no ano letivo 2011/2012.

O bullying, violência física ou psicológica repetida e intencional sobre alguém, reveste várias formas e por isso tanto pode estar na estatística das agressões como na das ameaças e injúrias.
Um dos mais recentes casos conhecidos foi o de uma vítima constante de bullying que decidiu vingar-se. O jovem de 19 anos R. N., farto de ser gozado, pegou numa navalha e esfaqueou um colega de informática, de 17, no exterior da Escola Marquês de Pombal, em Belém (Lisboa). Golpeou-o várias vezes, e numa das navalhadas atingiu-o no coração. Foi a 21 de fevereiro. A vítima ficou entre a vida e a morte, R. N. fugiu do local mas foi detido pela PSP na casa da mãe, em Serra das Minas, em Sintra. O caso foi noticiado pelo DN. Pelo que foi possível apurar com fontes policiais, a PSP fez um ofício para a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco por causa da situação vivida por R. N. Que antes de ser agressor era vítima.

A PSP e a GNR fazem ações de sensibilização nas escolas sobre o bullying dirigidas a alunos, pais, professores e auxiliares. “Uma das preocupações da polícia é tentar chegar àquele grupo de jovens que assiste à situação de bullying e nada faz”, afirmou ao DN o comissário Hugo Guinote, da Divisão de Prevenção Pública e Proximidade da PSP (que inclui o Programa Escola Segura). “O bullying tem sempre um agressor, uma vítima e o que assiste. Se conseguirmos convencer o que assiste a intervir estamos convictos de que o agressor se sentirá menos motivado. A continuidade destes atos só se verifica se o agressor tiver público”, frisou. A maior parte das situações de humilhação ocorre entre rapazes e sobretudo com agressões físicas, adiantou o comissário Hugo Guinote. Também há casos entre raparigas mas são, quase sempre, de violência verbal e psicológica. São raros casos como o de Bárbara e Raquel, as duas raparigas de 16 e 17 anos que agrediram uma de 13 no dia 19 de maio de 2011 e cujo filme da agressão circulou na rede social Facebook. “A maior prevalência é na faixa etária inferior aos 15 anos, sobretudo dos 12 aos 15″, acrescentou. O major Gonçalo Carvalho, porta-voz da GNR, também adiantou que a Guarda, através do Núcleo Escola Segura, elaborou um folheto sobre bullying e ciberbullying para distribuir pelas escolas e pelos diversos agentes escolares no qual se dá informação sobre os sinais e as medidas preventivas a adotar.

Crime de natureza pública não precisa de queixa

Legislação Ministério Público abre inquérito se houver agressões a aluno, funcionário ou professor, ou ainda a pessoa deficiente ou incapaz

Os crimes praticados contra membros da comunidade escolar já são de natureza pública. Fora deste lote está o bullying,pois não é considerado crime, mas sim ofensas à integridade física ou ameaça e/ou injúria.

De acordo com o gabinete da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, “os crimes de violência praticados em meio escolar já têm natureza pública, quer no âmbito do Código Penal por via da agravação prevista para quem praticar ofensa à integridade física contra membro da comunidade escolar quer para a violência psicológica por via da agravação prevista para o crime de coação quando é praticado contra pessoa particularmente indefesa em razão da idade”. O ministério esclareceu ainda que, de acordo com o novo Estatuto do Aluno e Ética Escolar, “o início do procedimento criminal pelos factos que constituam crime e sejam suscetíveis de desencadear medida disciplinar sancionatória depende apenas da participação da direção da escola”. Não há possibilidade de se tipificar o bullying como crime público, destacou o MJ, salientando que estes “atos de violência física ou psicológica” executados numa “relação desigual de poder” não acontecem apenas em meio escolar. “Nem toda a violência praticada nos recintos escolares se reconduzem ao bullying, designadamente se considerarmos a necessidade da existência de uma relação desigual de poder e de uma prática repetitiva.”

Para as forças de segurança um novo tipo de crime praticado entre adolescentes começa a tornar-se preocupante: o cyberbullying. É um tipo de assédio que visa a humilhação com recurso ao uso das novas tecnologias e redes sociais. Também não acontece apenas entre alunos de escolas mas é mais usual entre os jovens. Esta forma de bullying não está tipificada como crime. O vídeo das agressoras do Facebook, como ficaram conhecidas Bárbara e Raquel, começou por ser uma forma de cyberbullying (quem o terá colocado foram amigos das duas jovens) e acabou por ser um elemento de prova contra as duas adolescentes.

Estatuto do aluno

Mudanças A última versão do Estatuto do Aluno, em vigor desde setembro do ano passado, amplia direitos e deveres de alunos e dos seus pais

1. Em relação aos direitos dos alunos, é reforçado o combate à discriminação, nas suas diversas formas: origem étnica, saúde, sexo, orientação sexual, idade, identidade de género, condição económica, cultural ou social ou convicções políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.

2. O reconhecimento do mérito, nomeadamente do mérito académico, é consagrado. No entanto, onde antes se referia o direito a “usufruir de prémios que distingam o mérito”, passou a referir-se: “Prémios ou apoios complementares que reconheçam e distingam o mérito.” Recorde-se que o atual Governo acabou com os prémios pecuniários para os melhores alunos do secundário.

3. A salvaguarda da segurança na escola, designadamente de formas de violência e coação (bultying) é também reforçada, lembrando-se que os alunos gozam da “proteção consagrada na lei penal para os membros da comunidade escolar”. Os últimos dados relativos à segurança escolar (2010/11) divulgados pelo Ministério da Educação e Ciência dão conta de um aumento de quase duas centenas de ocorrências em relação ao ano anterior, para um total de 3326. No geral, as agressões baixaram, enquanto os atos contra a honra e o bom nome (insultos) subiram. No entanto, as agressões entre alunos subiram de 844 para 874, aumentando também o número de escolas com ocorrências registadas.

4. As consequências do comportamento incorreto também são agravadas no novo estatuto. A violência, física ou verbal, é claramente interdita. O uso de meios tecnológicos, como telemóveis ou outros equipamentos, em ambiente de sala só é aceite se expressamente previsto na atívidade do dia pelo professor. Gravar e difundir sons e imagens é também proibido. Penas como a suspensão podem ser decretadas preventivamente e os processos disciplinares são agilizados. O aluno pode ainda ver suspensos alguns direitos, como acesso aos apoios da ação escolar e à participação em várias atividades. Já os planos de recuperação (em caso de excesso de faltas) são substituídos por medidas de recuperação e de integração.

5. Os pais também vêem a sua responsabilização aumentada, podendo ser multados (e denunciados às comissões de proteção de jovens) se, por exemplo, revelarem comprovada negligência na relação com a escola. Até agora, não há registo de qualquer multa.

4 PERGUNTAS A…

“A violência escolar é muito maior do que o que sabemos”

- O que traduz, para si, ter havido um aumento de inquéritos por violência escolar?

- São números que podem ser justificados por uma maior consciência das escolas em denunciar os casos. Mas a violência em contexto escolar é muito maior do que o que nós sabemos. Há uma grande dificuldade em expor estas situações a público. As estatísticas oficiais são o topo da pirâmide. Nas investigações que tenho feito com base em relatos recolhidos nas escolas os números já são mais reduzidos.

- O bullying está expresso sob as formas de agressões e ameaças. Está associado ao atual clima de violência nas escolas?

- Fiz um estudo onde perguntei a jovens adultos entre os 18 e os 40 anos se tinham sido vítimas de bullying quando andavam na escola e conclui que sempre existiu. O que não havia era registo dessas ocorrências. Mas é um facto que se têm notado mais agressões entre pares ou dos alunos com professores ou auxiliares, o que está relacionado com uma diminuição da autoridade das escolas. O novo estatuto do aluno, de 2012, tenta responsabilizar as famílias por estes atos e devolver o poder e a autoridade à escola.

- O cyberbullying é um fenómeno preocupante?

- Sim, porque no cyberbullying não há rosto. Qualquer um pode anonimamente assediar um colega por via de sms ou nas redes sociais. E o mundo todo fica a saber da humilhação quando optam pelas redes sociais. Dos estudos que tenho feito comparando o bullying tradicional com este, concluí que há casos de algumas crianças vítimas do bullying tradicional que se tornaram agressoras quando saem da escola e se põem atrás de um computador. Passam a humilhar quem lhes fez mal e a perpetuar a vingança. É gravíssimo.

- Defende que as vítimas de bullying deviam ter acompanhamento psicológico?

- Sem dúvida, e os pais deviam estar preparados para garantir esse apoio aos filhos, nos casos em que se verifique serem necessários. Mas acho que se deve trabalhar bastante o grupo, a turma, e também os bystanders (os que assistem), porque a chave está em todos os que assistem e nada fazem. É preciso trabalhar a responsabilidade de todos nesta matéria. Até porque os alvos são, quase sempre, as crianças que têm dificuldades ao nível relacional. R.C.

Fonte: Associação Sindical dos juízes Portugueses

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