segunda-feira, 4 de março de 2013

Não à violência (e à troika!)



Na abertura do ciclo de conferências 'Não à Violência Escolar', organizado pela Fundação “Pro Dignitate”, em Lisboa, o senhor secretário de Estado da Educação (SEE), Dr. João Grancho, informou que vai “desafiar sindicatos de professores e representantes dos pais para assinar um protocolo de entendimento sobre como melhorar a convivência escolar”, reconhecendo a existência do fenómeno da violência. 

Registamos a atenção Ministério da Educação e Ciência (MEC) para o assunto, assumindo que o poder político “tem de ultrapassar esta perspetiva de quase negação' do problema da violência escolar. Não nos custa admitir que seja genuína a preocupação, considerando que o senhor SEE, enquanto Presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), contribuiu para desocultar esse problema e pugnou para que não continuasse a ser desvalorizado, essencialmente quando dirigido aos professores. Tem crédito, portanto. Mas as circunstâncias da vida ensinaram-nos também a nunca negligenciar umas réstias de dúvida, porque sabemos que é frequente, quando se passa para o “outro lado”, esquecerem-se princípios e propostas então defendidas. Sabemos e temos muitos (maus) exemplos disso. Não será, aparentemente, o caso (benefício da dúvida, como se costuma dizer).

Mas a nossa desconfiança instalou-se quando ouvimos o senhor SEE prosseguir dizendo que se “tem de deixar de usar o argumento de que a responsabilidade é da sociedade no seu conjunto'. É inquestionável, no entanto, que a escola é um reflexo da sociedade em que está inserida (banalidade que ainda assim é muitas vezes esquecida pelos papagaios da comunicação social, nas suas análises de “sapiente” ignorância sobre a educação e os seus problemas): pulula, fora dos portões da escola, o gérmen da indisciplina e da violência, potenciado pela degradação vertiginosa do nível de vida de muitas famílias (cilindradas no ímpeto cego e impiedoso da “troika”), e as escolas têm as portas abertas… Não se pode, pois, negligenciar este argumento.


Aliás, ao repto lançado não lhe subjaz também uma certa passagem da responsabilidade para pais e professores e consequente (questão de hábito…) negação da responsabilidade do poder político? É que fora do eventual protocolo estarão questões relevantes para o combate à violência escolar, como sejam as medidas impostas pelo MEC de aumento do número de alunos por turma e mega agrupamentos de escolas sobredimensionados, à revelia das comunidades a quem agora se lança o repto (casca de banana?). Estes são dois enormes fatores de risco e potenciadores do aumento da indisciplina e violência, sobejamente alegados pelos mesmos professores e representantes dos pais

O problema da violência escolar (preferíamos falar de violências) passa indubitavelmente também pela dimensão das organizações (Escolas e Agrupamentos de Escolas) e pela sua capacidade de administração e gestão (cuja eficácia, não custa prever, sai extremamente debilitada numa mega estrutura organizativa). Mas estas parecem ser (são) variáveis “a priori” postas fora do debate proposto pelo MEC. A gestão dos comportamentos é muito mais exequível em organizações de dimensões “aceitáveis”, consolidadas, com projetos educativos consensualizados nas suas comunidades, com lideranças eficazes, de proximidade (organizações que o MEC continua a “desmantelar”, mesmo que tenham indicadores certificados dessa eficácia).

O combate à violência escolar não se pode cingir a um protocolo entre MEC, pais e professores (estes já há muito se entenderam nos prognósticos, propostas e estratégias de ação); tem que haver uma intervenção socialmente mais ampla. Os pais e os professores têm que ser parte da solução, mas não são “a solução”. Não é com conversa entre “amigos” (e velhos conhecidos, como são os representantes das associações de pais e sindicatos) e um protocolo assinado que o problema se irá resolver. 

Nas Escolas o MEC vai continuar a ter profissionais competentes e empenhados, apesar das incompreensões e do constante desgaste da sua imagem; empenhe-se ele (e o governo) nas questões a montante, não criando entraves desnecessários (confie, por exemplo, nas virtualidades do uso da autonomia). Grande ajuda no combate à violência escolar já seria não retirar recursos humanos à escola, não potenciar o problema com o aumento do número de alunos por turma, não sobredimensionar o âmbito da gestão e administração… Como dizem na nossa terra: ajuda muito quem não estorva.


Fonte: Correio do Minho

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