segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Onde acaba o sucesso e começa o bullying fiscal?

Diário de Notícias

Qual a eficiência na resposta aos pedidos de esclarecimento, requerimentos, reclamações, etc?
Todos os estados precisam financiar-se para garantir o funcionamento e investimento na produção e aquisição de bens e serviços a disponibilizar aos seus cidadãos.
Para uns, a mãe natureza foi uma fada pródiga ao conceder-lhes recursos naturais de tal ordem que garantem a abastecimento mais do que necessário dos cofres públicos.
Outros, no entanto, não beneficiaram dessa prodigalidade e precisam de recorrer muito mais aos bolsos dos seus cidadãos, lançando impostos ou aumentando as taxas dos já existentes.
Não me quero pronunciar sobre a boa ou má gestão dos responsáveis públicos que nós escolhemos, repito, que nós escolhemos para gerir esses bens. A democracia também não é o regime ideal para a gestão da coisa pública, mas, como dizia Winston Churchill, é o menos mau dos regimes políticos.
Vem esta introdução a respeito da notícia do DN, no passado dia 11 deste mês, onde a ATRAM - Autoridade Tributária da Região Autónoma da Madeira, informa que já superou os objectivos de cobrança coerciva de impostos para a região. Fiquei a saber que, nos primeiros 9 meses do ano em curso, os serviços fiscais regionais já tinham atingido o objectivo proposto para todo o ano. Isto é, houve uma eficiência que se traduziu num ganho correspondente a 25% no tempo previsto. E, só final do ano, se saberá quem foi a eficiência em quantidade da cobrança.
A minha primeira reacção foi de satisfação. O sucesso da minha administração tributária também é meu sucesso, porque sou cidadão deste país e, no caso concreto, desta região. E como sou contribuinte pagante, continuo a alimentar a velha ilusão, que os políticos de todos os quadrantes nos vêm prometendo, há “qu’anos”, que se todos pagarmos, todos vamos pagar menos.
Depois do primeiro impacto causado pela leitura da notícia, já mais racionalmente e de cabeça fria, dei comigo a pensar no reverso da medalha.
Vivemos numa região sem grandes recursos naturais, salvo o seu povo, a sua bela paisagem e o seu ameno clima. Além disso, a gestão da coisa pública, comprovadamente, não se pautou pelo melhor, levando a que a região tivesse de assinar um “Pacto de Austeridade” que nos trouxe uma asfixia financeira, às famílias e às empresas desta região, com um duplo “aumento brutal de impostos”, penalizando o consumo das pessoas e, consequentemente, os rendimentos das empresas. Foi um duplo agravamento de impostos traduzido, por um lado, com a perda do benefício da redução de impostos até 30% relativamente às taxas em vigor no continente, supostamente compensariam os custos que advém das nossas características geográficas relacionadas com a ultraperiferia e descontinuidade territorial e, por outro lado, o aumento de impostos que o governo nacional nos impôs a todos os portugueses, na sequência das negociações com a Troika.
Enfim, nestes últimos anos, o rendimento disponível das famílias e das empresas foi brutalmente reduzido.
Como contribuinte, surgiu-me uma outra questão: qual a eficiência na resposta da mesma administração aos pedidos de esclarecimento, requerimentos, reclamações graciosas, etc? Este seria um aspecto importantíssimo na avaliação da justiça tributária, na procura pela verdade material. Uma perspectiva de sujeito activo e de sujeito passivo, isto é, num regime democrático, toda a administração tem direitos a exercer sobre os cidadãos e, igualmente, tem deveres para com esses mesmos cidadãos.
Por razões profissionais e pessoais, conheço alguma desta realidade e estou convencido que uma parte do sucesso da cobrança está a ser construída injusta e ilegalmente com muito “sangue, suor e lágrimas”…
A desumanização da máquina fiscal, levou a situações com contornos de autêntico bullying fiscal, como classificou o jornalista Paulo Ferreira. Nalguns casos, os objectivos financeiros substituíram-se ao respeito pelo princípio da legalidade, da justiça tributária e da verdade material, entre outros. E é sempre demasiado grave que qualquer cidadão, mesmo que seja um universo pequeno, sinta, na pele, o preço da prioridade dos objectivos financeiros em detrimento dos valores democráticos e dos princípios legalmente consagrados.

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