domingo, 20 de março de 2016

Empatia para além da cor

Onde começa “Django Livre”, onde começa “Doze anos de escravidão”, “Histórias Cruzadas”, “Que Horas Ela Volta?” onde começa? Não sei, e quanto mais eu olho para trás mais me dói e nunca para de doer. Onde começou essa história? Não  importa onde começa, mas não podemos parar de contar até que termine.
E vão dizer que nós estamos nos vitimizando, vão dizer que estamos se fazendo de coitados, vão dizer que queremos atenção.
Sim, é verdade, se teve alguém no tronco, esse alguém é vítima, ou vítima era o senhorzinho branco que tinha que mandar bater? Se algum preto ainda está pagando por ser preto e por todos os outros pretos que estavam no tronco, sim, ele é vítima e nem precisa se vitimizar, pois ele é.
Sim, nós somos coitados, fomos Acoitados por anos e vocês ainda nem querem saber como a gente se sentia, “ninguém nunca quis saber como eu me sentia”, disse Aibileen (Viola Davis), no filme Histórias Cruzadas.
Mas eles vão ter que ouvir, um minuto de atenção deles não vai pagar os anos de sofrimento, porém, falar liberta gerações. Falar tudo que está engasgado e queriam nos obrigar a engolir. Falar na cara de quem não entende da forma mais sincera possível, assim como quem nunca teve vergonha de nos dizer o que pensa de uma pessoa negra.

Só a liberdade que não é nossa, nem a opinião, nem a palavra, nem a decisão e muito menos o direito de viver em paz.

Assim como até hoje muitos deles ainda nos fazem calar, acreditam que o nosso lugar é o de esquecer e sorrir educadamente. Assim como muitos pedem que paremos de nos fazer de vítimas, como se não fôssemos vítimas.
Hoje tudo se resume na palavra “RACISMO”, que têm incomodado tanto. Porém, me parece pequena demais para se referir a privação de liberdade, tortura, violência física, assédio moral, bullying… Nem existia bullying, mas as meninas negras nas escolas, de anos atrás, já sabiam o que era bullying antes mesmo de se chamar bullying.
Nem se usava a palavra preconceito, mas já se praticava diariamente preconceito com as empregadas negras que não podiam comer na mesma mesa e não podiam usar o mesmo banheiro. E ainda se prática com as mulheres que não podem andar na rua depois das dez da noite.
Mas não vamos falar sobre isso, apenas oferecer uma torta, sorrir, pedir desculpas e agradecer (por favor, entenda a irônia, como “Histórias Cruzadas” ensina).
Acabo de assistir “Histórias Cruzadas” no Corujão, na mesma emissora em que as patroas continuam sendo brancas, as mais brancas nas novelas. Calma, já passava da meia noite e por isso passam esses filmes sem medo de uma rebelião. Os pretos já estão dormindo para acordar no dia seguinte e continuar a história que nunca acaba.
Histórias Cruzadas é sobre ser preto, e antes de ser preto, ser mulher preta entre mulheres brancas que sofrem por serem mulheres e ainda assim te humilham porque você é mulher, porém PRETA. Porque apesar de serem mulheres, elas não são pretas. Entendeu?
E depois de criar os filhos das mulheres brancas e cuidar da casa das mulheres brancas, as negras chegam em casa e apanham dos seus homens negros porque eles não conseguem aguentar a pressão de serem negros.
Mas nós sim, nós sim temos que acordar cedo no outro dia e ir trabalhar com o olho roxo, porque não temos tempo pra chorar, ao fundo são os nossos filhos que choram. Nós sempre temos que ser fortes. Os filhos são nossos, a culpa é nossa de engravidar, a casa é nossa pra cuidar. Só a liberdade que não é nossa, nem a opinião, nem a palavra, nem a decisão e muito menos o direito de viver em paz.
E além de ser sobre o que significa ser mulher negra, não só nos anos 60 no Mississipi, mas ainda nos dias de hoje. “Histórias Cruzadas” é sobre reverter a história, ter empatia para além da cor. É sobre se identificar com a luta. Se ver mulher na outra mulher que sofre. É dar as mãos e escrever essa história juntas e questionar as outras que não vem junto lutar.
As informações e opiniões expressas neste texto são de responsabilidade única do autor.

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