sexta-feira, 31 de agosto de 2012

“Sofri muito bullying”, diz adolescente com dislexia

Crianças e jovens com distúrbios de aprendizagem têm de enfrentar inúmeros desafios para evitar ou superar o fracasso escolar

AMANDA POLATO
 
Isabella Gardin Danelon, de 15 anos, só foi ter amigos no 9º ano do ensino fundamental. “Antes disso, era chamada de preguiçosa e me sentia excluída. Ninguém queria fazer trabalhos e projetos comigo. Sofri muito bullying.” Diagnosticada com dislexia aos 10 anos, mas com suspeitas desde cedo, a garota demorou a aprender a ler e escrever. Até hoje, mesmo com tratamento em curso, precisa de apoio para algumas atividades, já que seu ritmo é um pouco mais lento que o dos colegas.

A dislexia é um transtorno de origem neurobiológica que afeta o reconhecimento das palavras. Os disléxicos têm dificuldade para identificar as letras com precisão e velocidade e também para formar as sílabas. Com tratamento específico, é possível criar estratégias diferentes para aprender a ler e escrever. Mas nem todos os professores têm conhecimentos sobre o transtorno. E as crianças podem ser cruéis com os colegas que ficam para trás.

Apoio dos pais é fundamental para que as crianças aprendam a lidar com os distúrbios (Foto: SXC.HU)

Isabella teve apoio da escola, uma instituição particular em Campinas, interior de São Paulo, que oferecia atenção especial e atividades diversificadas, como provas orais. No entanto, não era compreendida pelos outros alunos. “Sofremos junto com a Isabella. Muitas vezes ela chegava em casa chorando. Então, começou a fazer terapia para se fortalecer e entender que também era capaz de ir bem na escola”, conta a mãe da jovem, a bióloga Mirian Gardin.

Patrick Galvão, de 15 anos, também diagnosticado com dislexia, não teve ajuda da escola ou dos colegas e acabou entrando em um processo de depressão, que está sendo tratado com terapia. Além de enfrentar a gozação de outras crianças, Patrick perdia boa parte do conteúdo dado pelos professores porque não conseguia copiar os textos da lousa. Chegou a reprovar uma das séries. Os pais o mudaram de colégio três vezes, passando por instituições estaduais e municipal em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.

“Nem sempre as escolas estão abertas para mudar sua forma de trabalho”, afirma a mãe do garoto, a dona de casa Patrícia Elaine Galvão. Em uma delas, os professores permitiram que, durante as provas, um funcionário ajudasse Patrick na leitura dos enunciados. Mas o motivo não foi bem explicado à turma, que achou que o colega estava sendo privilegiado. O caso gerou discussões e abaixo-assinados.
 

Problemas têm solução
Embora os estudantes com transtornos de aprendizagem fiquem com a autoestima baixa, eles precisam saber que podem melhorar, diz Quézia Bombonato, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP). “A criança não está condenada ao fracasso. O cérebro possui plasticidade, ou seja, tem a capacidade de se adaptar. É como se fosse pegando atalhos para cumprir uma função”, diz a psicopedagoga.

Estudantes diagnosticados com transtornos de aprendizagem de origem genética e neurobiológica não precisam sair da escola comum. Em geral, fazem acompanhamento em clínicas especializadas alguns dias por semana, no horário livre. “É importante que as crianças sejam incluídas e possam conviver bem com todo mundo, como na vida real”, afirma Quézia.

Em Campinas, Isabella Danelon encontrou apoio no Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (Ciapre), criado há dois anos e meio por especialistas formados pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A adolescente foi diagnosticada no laboratório sobre aprendizagem da própria universidade, e iniciou o tratamento no Ciapre. Segundo a fonoaudióloga Cíntia Alves Salgado Azoni, coordenadora da clínica, Isabella teve avanços muito importantes após cerca de dois anos de atendimento.
 
“Hoje eu tenho gosto pela leitura. Leio devagar, com calma, mas leio”, conta Isabella, que também tem usado com frequência o computador para se comunicar com amigos. Antes, com maiores dificuldades na escrita, não era bem compreendida em bate-papos. Agora, diz que fica bastante no Facebook. No Ciapre, a garota usou um software que foi fruto do doutorado de Cíntia Azoni, concluído em 2010. Ele foi desenvolvido especificamente para crianças e adolescentes com dislexia. “O programa trabalha com atividades tanto auditivas quanto visuais porque a gente pressupõe que o indivíduo com dislexia precisa de estímulos diferentes para conseguir adquirir a leitura”, afirma a fonoaudióloga. Segundo ela, o software ajuda a melhorar habilidades da linguagem, como consciência fonológica – reconhecimento, compreensão e manipulação de sequência de sons das palavras –, memória e a nomeação rápida de objetos.
É consenso entre especialistas em transtornos que apenas o trabalho das clínicas não é suficiente para evolução dos alunos. “As escolas são as que mais podem contribuir”, diz Mônica Andrade Weinstein, doutora em distúrbios da comunicação pela Universidade Federal de São Paulo e presidente do Instituto ABCD. “Existe muita desinformação entre os professores e eles precisam de mais apoio”, afirma. Em geral, é indicado que especialistas responsáveis pelo tratamento da criança procurem a escola para esclarecer o diagnóstico e sugerir intervenções.

O instituto ofereceu, em 2011, treinamento a cerca de 2 mil docentes, para que possam identificar melhor sinais de transtornos, além de colocar em prática estratégias de ensino diferenciadas. A entidade também apoia centros de referência para tratamentos. É em um deles, o da Faculdade de Medicina do ABC, em São Caetano do Sul, que Patrick Galvão é atendido. “Faço muitos jogos terapêuticos [com psicopedagogos] e já estou lendo mais rápido”, diz o adolescente.
 

Apoio dos pais
Além da atenção especial na escola e em clínicas, estudantes com distúrbios de aprendizado precisam de estímulos positivos em casa. Desde o início da vida escolar, Vinícius Grana, de 12 anos, mostrou dificuldades para aprender a ler e a escrever. A mãe dele, a agente de apoio escolar Matilde Virginio Grana, percebeu que havia algo errado e levou o menino, por anos, a diversas consultas médicas. Só conseguiu o diagnóstico final de dislexia no Ciapre, após avaliação multiprofissional. A equipe da clínica é formada por fonoaudiólogos, psicólogos, piscopedagogos, neuropediatras, neurologistas, psiquiatras e fisioterapeuta.

Vinícius iniciou o tratamento há poucos meses e, segundo Matilde, já há grandes mudanças. “Agora ele tem interesse na leitura. Sai pelas ruas lendo em voz alta todas as placas que vê.” O garoto reconhece o esforço da mãe e diz que nunca foi chamado de burro em casa, diferentemente do que acontecia na escola. “Eu tinha perdido o ânimo de estudar. Senti muito preconceito.” Duas vezes por semana, mãe e filho vão à clínica. Cada trajeto leva quase três horas de ônibus. “Mas é um esforço que vale a pena”, diz Matilde. 

Fonte: Revista Época

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