quinta-feira, 17 de junho de 2010

Esquartejadores da autoestima: os praticantes do bullying


Foi somente depois de tragédias escolares, que a Noruega prestou atenção às pesquisas de Olweus a respeito do bullying - Foto: Divulgação do autor na web

Na Alemanha dos primeiros tempos do Nazismo, a Juventude Hitlerista constituia uma das grandes forças disseminadoras do antissemitismo, principalmente nas escolas onde encontrou terreno fértil entre os jovens e a sua naturalmente conflituosa diversidade. A fórmula se repetiu década adentro, 1940, 1941, 1942... As mesmas pessoas que humilhavam e eram humilhadas cresceram (é claro, cada qual no seu "lado" da História), sendo que, um pouco adiante, "patriotas" e prisioneiros acabaram se reencontrando em lugares como Auschwitz e Dachau. Lá pelos idos de 1944, a "rapaziada" já tinha se transformado em carrascos nacionalistas ou em corpos carbonizados.

A cronologia, evidentemente, é simbólica. O antissemitismo já vinha de muito antes e, convenhamos, quatro ou cinco anos é um período estreito. As efervescências na sociedade alemã, compreendidas entre 1918 e 1939, enriqueceriam, de fato, o parágrafo anterior, mas, ainda assim, o significado daquelas linhas permaneceria bastante débil no que se refere à verdade histórica. Um artifício, admito. Reduzi um processo milenar e o coloquei, a favor da retórica, numa década simbólica, os anos da Segunda Guerra Mundial. Mas é o símbolo, muito mais que o rigor, a metáfora, o sentido alegórico, muito mais que a verdade, enfim, o acúmulo secular do ódio numa geração prestes a ingressar na vida pela porta da guerra que realmente pesa nesta minha despretensiosa consideração. Em outras palavras, carreguei na tinta para segurar o espectador.

Mas leitor - meu "fisgado" leitor -, seria exagero imaginar que tragédias tão marcantes como aquela poderiam começar com apelidinhos trocados no pátio da escola? Coisa tão "corriqueira" e até natural poderia reforçar o ódio e elevá-lo a patamares inimagináveis em duas ou três gerações? Exagero nenhum! Bastou semear a diferença e o terror medrou. O terror ocupou a Áustria e depois a Polônia e depois a França. Realmente, nada que uma pitadinha de ideologia e oratória hipinotizantes não resolvesse! Resolveu: boa parte da Europa, num descuidado olhar ofuscado (em plena guerra-relâmpago ou, se preferir, blitzkrieg em alemão), terminou sob o domínio nazista.

Logo atrás de um apelido inocente pode estar à espreita o mais arraigado preconceito. Um apelido, por menos ofensivo pareça, sempre se presta a ofender e animalizar uma pessoa sem que os presentes larguem seus talheres ruidosamente sobre a prataria. É exatamente assim, em plena urbanidade, sob uma aparente camaradagem, que tudo começa para piorar em seguida. É quando o grupo mais forte se vê proprietário de todos os direitos em detrimento do estranho, do exótico, do irregular, enfim, do mais fraco reduzido à inferioridade animal.

Lembre-se: antes de destruir alguém, desqualifique esse alguém, animalize o outro e torne a coisa mais fácil para você! Tente transformar em Quasímodo (personagem de Vitor Hugo em O corcunda de Notredame) as possíveis fontes de reflexão para que a culpa não te persiga incomodamente. Na essência, eis a prática do bullying.

No universo escolar, esse comportamento foi amplamente estudado na Noruega, entre 1978 e 1993, por Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen que, no início da década de 1970, investigava o assunto de maneira independente pois nenhuma das instituições norueguesas estava minimamente interessada. A partir da década seguinte, quando três rapazes entre 10 e 14 anos cometeram suicídio motivados por situações graves ocorridas no ambiente escolar, o governo e as instituições de ensino começaram a prestar mais atenção ao problema. Somente em 1993, iniciou-se naquele país a Campanha Nacional Anti-Bullying em todas as escolas.

Aqui no Brasil, as primeiras discussões também remontam à década de 1990 sendo que, recentemente, devido à novíssima modalidade do bullying, o cyber bullying (realizado com a ajuda da tecnologia), o assunto ganhou notoriedade.

Serginho Groisman, por exemplo, faz campanha contra o bullying. Vítimas desse tipo de violência ganham espaço no seu programa, o Altas Horas, nas madrugadas de domingo, desde que um dos garotos da platéia se manifestou, alguns meses atrás, desencadeando uma súbita comoção na "galera", nos convidados famosos e no apresentador. Groisman também consulta especialistas e profissionais de diversas áreas engajados no combate ao bullying. Além disso, uma peça educativa sobre a prática vem sendo exibida pela Rede Globo nas últimas semanas. O apresentador do Altas Horas é quem protagoniza o comercial.

Todas as formas de agressão, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outros, causadoras de dor e angústia, e que são executadas dentro de uma relação desigual de poder, devem ser entendidas como bullying pelos pais e professores. Deste modo, ações repetidas entre estudantes e pronunciado desequilíbrio de poder, que possibilitem a intimidação da vítima, são as características essenciais do bullying. A observação atenta dos educadores é primordial. Na maioria das vezes, a vítima imagina que o problema realmente está nela e não nos agressores.

De volta à questão do primeiro parágrafo, àquele estilo, digamos, sensacionalista que propositadamente adotei, devo informar ao leitor o seguinte: para mim, valeu a pena. O combate ao bullying é uma dessas causas que merecem destaque dramático e apelativo em qualquer circunstância num país que só aprende com a consumação de tragédias anunciadas ou com alguma novela da Glória Perez.

Fonte: Brasil Wiki

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