sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Um manual para combater o ódio na internet

Katya Delimbeuf
KATYA DELIMBEUF - EXPRESSo

MARCOS BORGA

Foi apresentada esta quinta-feira, na Fundação Gulbenkian, a versão portuguesa do manual do Conselho da Europa destinado a combater o discurso de ódio na internet. O Expresso falou com Claúdia Reis e com Margarida Saco, do Instituto Português do Desporto e da Juventude, para perceber o alcance deste recurso.

É um manual de 214 páginas, que a partir de sexta-feira estará acessível ao público no site do Instituto Português do Desporto e da Juventude. O Expresso antecipa-o. Neste livro grosso está impressa a preocupação da Europa com um fenómeno crescente que inquieta todos: o discurso de ódio, onde se inclui, por exemplo, o 'ciberbullying'.
Insultar, discriminar, acossar, atacar, ameaçar através da internet em geral e das redes sociais em particular é, infelizmente, uma realidade que tomou proporções alarmantes: “6% dos utilizadores da internet entre os 9 e os 16 anos na Europa já reportou ter sido alvo de bullying 'online’”, explica Claúdia Reis, responsável do departamento de informação e comunicação do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ), que trabalhou de perto na tradução para português do manual. “Portugal não tem ainda estatísticas concretas sobre esta temática, mas trabalha nesse sentido, em conjunto com a Polícia Judiciária”.
Mas afinal, qual é a definição de 'ciberbullying'? Onde se traça a fronteira entre insulto, falta de respeito ou de educação e 'bullying'? “Um ato de violência online é mais difícil de provar do que uma agressão física”, alerta Cláudia Reis. Na origem do termo está a palavra inglesa “bully”, que significa “arruaceiro”, fanfarrão. Intimidar ou agredir o outro, verbal ou fisicamente, sozinho ou com ajuda, humilhando ou ameaçando, em contexto familiar, escolar, universitário ou de trabalho, é um ato de 'bullying'. O que distingue o ciberbullying do bullying é que a agressão é feita na internet - através das redes sociais ou do telemóvel, com a agravante de que, no espaço cibernético, a memória (ou rasto) pode ser eterna. Ou seja, os vestígios da agressão podem nunca desaparecer por completo.
Margarida Saco, coordenadora da campanha em Portugal, complementa: “O que caracteriza o bullying é incluir uma ameaça direta a alguém, e esse facto ser continuado no tempo”. Aliás, continua, “normalmente a queixa não chega por parte da vítima, diretamente. Chega por parte dos professores, nas escolas, ou por parte de um familiar.” As vítimas “têm medo e vergonha”, no seu entender. Medo demais para falarem. “O caso mais clássico de ciberbullying são comentários feitos nas redes sociais, ou a publicação não autorizada de fotografias”, acrescenta Cláudia.
Margarida Saco, coordenadora em Portugal da campanha contra o discurso do ódio, apresenta hoje na Fundação Gulbenkian a edição portuguesa do manual do Conselho da Europa
Margarida Saco, coordenadora em Portugal da campanha contra o discurso do ódio, apresenta hoje na Fundação Gulbenkian a edição portuguesa do manual do Conselho da Europa
MARCOS BORGA
O primeiro passo da aplicação do manual que visa combater o discurso do ódio na internet já está a acontecer, a nível de formação dada a associações que trabalham com o público juvenil, professores e educadores. Multiplicar as pessoas formadas com base neste manual é um dos objetivos, que o Ministério da Educação poderá inclusivamente vir a incluir no programa escolar, num futuro próximo.

APRENDER ATRAVÉS DOS DIREITOS HUMANOS

O "discurso de ódio na internet é bem mais amplo do que o 'ciberbullying', esclarece Margarida Saco. Inclui discriminação, incitação à violência, racismo, xenofobia, homofobia e outros tipos de intolerância." Dá um exemplo: "A questão dos refugiados suscitou uma quantidade de discurso de ódio nas redes sociais". A coordenadora da campanha portuguesa chama a atenção para o facto de as figuras do "ciberódio" e do "cibercrime" já constituírem crime, na lei portuguesa.
O grande objetivo deste manual é conseguir educar, em matéria de direitos humanos, chegar ao maior número de agentes formadores, e assim diminuir o discurso de ódio na internet. Margarida recorda que foram formados pelo Conselho da Europa "quatro ativistas online" portugueses, entre os 16 e os 30 anos, capazes de produzir "posts positivos" nas redes sociais, e de "publicar contra-narrativas", em casos de discurso de ódio. Rita Brito, Adriana Delgado e Catarina Correia são três delas. Aos 29 anos, Catarina Correia é ativista online contra o discurso de ódio desde 2013. Fá-lo em regime de voluntariado, dedicando-lhe horas do seu tempo, mas não de forma rígida. "Terrorismo, religião e racismo" são os temas que mais facilmente suscitam um discurso de ódio, e que a "obrigam" a contra-atacar com 'posts' positivos ou denúncias.
O Conselho da Europa criou ainda um Observatório do Discurso do Ódio, onde são analisados os "posts" das redes sociais denunciados. Também a Linha Internet Segura (800 21 90 90) presta apoio telefónico e online, de forma anónima e confidencial, a crianças, jovens, pais e professores, sobre questões relacionadas com o uso da tecnologia. Nunca é demais lembrar que o jovens não devem aceitar, nas suas redes sociais, pessoas que não conhecem; que não devem publicar dados pessoais, fotografias em família ou íntimas, ou que forneçam a terceiros informações relevantes sobre a vida daquela pessoa. A prudência é boa conselheira, no reino da internet. Como o respeito e o bom-senso.
Pode consultar a edição portuguesa do manual europeu de combate ao discurso de ódio 'online' em www.ipdj.pt

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