sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Bullying: lembra-se como foi?

Convenhamos: sempre houve bullying na escola. Todos guardamos memória disso. Na escola e no emprego, na família, no desporto, nos quartéis, nas igrejas, nos partidos e, até, nos mais insuspeitos grupos de amigos… Sempre o houve, onde e quando se agregaram pessoas e se formaram grupos onde coexistem fortes e fracos, chefes e chefiados, agressores e vitimados, ou seja, sempre e quando de desenvolveram relações de desigualdade na partilha do poder.

Em variadíssimas gerações, e por diversos motivos, os “caixa de óculos”, os “pencudos”, os “pés de chumbo”, as “mamalhudas”, os “gungunhana”, os “espinafres”, os “fanhosos”, os “minorcas”, os “graxistas”, os “nerd”…, sempre foram motivo de jocosidade e, logo, também vítimas de processos de exclusão e de achincalhamento pelos seus pares. Outras vezes, dizia a voz dos sociólogos que tudo isso até servia os métodos de socialização do indivíduo pelo grupo.

O que mudou entretanto? Tanta coisa! Desde logo, a democratização do acesso ao ensino (uma escola para todos) trouxe para a escola muitos jovens de diferentes culturas sociais, de diferentes “tribos urbanas”, com as suas linguagens, gestos, símbolos, valores e vestuários diferenciadores em relação “ao outro” e identificadores “entre si”. É que o bullying desenvolve-se mais quando os indivíduos são forçadas a coabitar, algumas vezes contra-vontade e noutras contra-natura, no mesmo espaço e ao mesmo tempo.

Depois, as lideranças começaram a centrar-se nos mais “desiguais” perante a maioria: os que se auto-marginalizavam face às regras, os manipuladores do poder, da força e da coacção psicológica, os detentores da capacidade de resistir. O impacto foi de tal ordem de grandeza que gerou, em muitos casos, a perda de liderança das instituições pelos professores…

Finalmente, a exponencial evolução dos meios e processos de comunicação de massas (internet, telemóveis, PCs portáteis, fotografia e filme digitais) permitiu que o bullying ultrapassasse rapidamente as paredes da escola, do bairro, da cidade, do país… revelando-se um verdadeiro campeão de audiências nas redes sociais da internet – referimo-nos, claro está, ao cyberbullying.

Nesta sociedade que tarda a reencontrar-se e onde até a imbecilidade humana tem direito à globalização; onde não sobram exemplos de coerência e de ética; onde se permite que todos os dias se destrua um pouco mais deste planeta que é única casa de todos, não é de estranhar que desde muito cedo (92% das mães americanas admitiram que os seus filhos, com menos de dois anos de idade, já tinham acesso e brincavam na internet…) se incrementem as tentações totalitárias, desumanas e irracionais e que estas se sobreponham ao prazer de brincar, de conviver e de aprender com o “outro”.

Por isso, hoje, a diferença situa-se na ténue fronteira da amplitude a que pode chegar a pressão dos pares sobre o indivíduo (o mal são os outros?), e da justificação que se quiser dar à livre escolha da motivação e da vítima.

João Ruivo,

Professor do Ensino Superior, especialista em matérias educativas

Fonte: Jornal Reconquista

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