sábado, 4 de junho de 2016

TJ manda DF indenizar criança que esperou 8 anos por cirurgia no crânio

Valor é de R$ 20 mil; anomalia provoca hérnias no cérebro e nas meninges.
Mãe diz que menino sofreu bullying; governo afirma não ter sido notificado.


Gabriel LuizDo G1 DF

Jovem que ganhou indenização da Justiça após passar por cirurgia para corrigir encefalocele (Foto: Arquivo Pessoal)Jovem que ganhou indenização da Justiça após passar por cirurgia para corrigir encefalocele (Foto: Arquivo Pessoal)
O Tribunal de Justiça mandou o Distrito Federal pagar R$ 20 mil de danos morais a uma criança que esperou oito anos por uma cirurgia no crânio pela rede pública. O menino, atualmente com 13 anos, sofre de encefalocele – condição que provoca hérnias no cérebro e nas meninges, afetando o sistema nervoso. A Procuradoria-Geral do DF informou que só avaliaria se iria recorrer da decisão quando fosse notificada da sentença, publicada nesta terça-feira (1º).
A mãe do garoto, Maria Batista do Rosário, afirma que a cirurgia deveria ter sido realizada até o filho completar 5 anos – como na maior parte dos procedimentos. Segundo ela, a situação atrapalhou o desenvolvimento pedagógico e social do menino, que não vai à escola nem sai de causa por vergonha da aparência e medo de sofrer agressões.
Relatório do Hospital de Base após criança passar por cirurgia (Foto: Reprodução)Relatório do Hospital de Base após criança passar por cirurgia (Foto: Reprodução)
A espera pela cirurgia começou em maio de 2007, mas o procedimento só foi realizado em março do ano passado. À Justiça, a Procuradoria-Geral do DF negou responsabilidade ao afirmar que a operação não foi realizada por falta de um equipamento necessário para abrir o crânio (craniótomo). O órgão também disse que todos os serviços médicos necessários foram prestados.
Para a desembargadora Simone Lucindo, da 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF, as justificativas não são suficientes. “O mesmo relatório médico, que atesta a necessidade do equipamento referido também informa que seria possível o encaminhamento do paciente para outra unidade da federação, a fim de realizar a intervenção médica, havendo, inclusive um setor da Secretaria de Saúde que é responsável por esse tipo de medida”, escreveu a juíza em seu voto.
Ela manteve a decisão da 1ª instância, que mandava o DF indenizar o menino por haver requisitos de responsabilidade civil diante do desgaste emocional “em decorrência da omissão do Estado”. O DF tinha recorrido da sentença.
“Configura-se a responsabilidade civil do Estado o dano experimentado pela vítima em razão de ato omissivo do ente público, consistente em não realizar cirurgia corretiva de anomalia cranial de que padece a vítima, ocasionando-lhe prejuízos extrapatrimoniais (danos morais)”, votou a juíza Simone Lucindo.
Repercussão
Ao G1, a mãe disse que comemorou a decisão da Justiça. "Meu filho merecia porque sofreu muito bullying na escola por causa da aparência. Acho que é pouco pelo que passou, até depois de ter feito a cirurgia", contou a moradora de Samambaia Norte. Ela só soube nesta quinta-feira (2) da sentença.
Os R$ 20 mil em indenização já têm destino. "Vou tentar colocar ele em uma escola particular com esse dinheiro", disse Maria.
Vou tentar colocar ele em uma escola particular com esse dinheiro. [..] Ele deveria ter feito [a cirurgia] quando ele tinha 5 anos. Assim, ele não teria sofrido tanto bullying como sofreu, com gente querendo pegar no rosto dele. Sofreu até da diretora da escola"
Maria Batista do Rosário, mãe do garoto
Apesar da decisão favorável, o defensor público Antônio Carlos Cintra estima que o dinheiro pode demorar a ser liberado. "Não acho que o DF vá recorrer, mas podem ficar protelando no pagamento. Desde quando uma pessoa entra na Justiça, demora mais de dez anos para receber."
Mãe de três filhos, a mulher afirmou ter contado com ajuda da Secretaria de Saúde e do Conselho Tutelar durante os dez anos de espera. No entanto, ela criticou o fato de a cirurgia ter demorado a acontecer. "Ele deveria ter feito [a cirurgia] quando ele tinha 5 anos. Assim, ele não teria sofrido tanto bullying como sofreu, com gente querendo pegar no rosto dele. Sofreu até da diretora da escola", afirmou a desempregada.
Segundo ela, o menino – que toma remédios controlados – deixou de ir à escola depois de a diretora perder a paciência com ele, no ano passado. "Ela saiu arrastando ele pelo braço, xingou, dizendo que ele ia ser burro, que não iria prestar para nada. Quando ele chegou em casa chorando e me contou, fui até a delegacia. Falaram que era para eu denunciar na secretaria. Não deu em nada."
A situação trouxe repercussões no dia a dia da família, que administra a vida com uma renda de R$ 2 mil. "Se eu disser que vou levar ele na escola, diz que vai me explodir aqui em casa. Quando tem consulta, não tem quem leve esse menino. Ele é violento mesmo. Tem uma força terrível. Eu me preocupo", continuou. "Só fica brincando com os amigos na rua. É uma pessoa boa, mas se contrariar, o bicho pega."
Fachada de anexo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)Fachada de anexo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Foto: Raquel Morais/G1)
Defensoria Pública
Em abril, a Defensoria Pública do DF entrou com 199 ações relacionadas à saúde. A maior parte delas envolvem garantia de medicamentos, leitos de UTI, liberação de cirurgia, autorização do uso de próteses e liberação de exames.
Segundo o defensor público Antônio Carlos Cintra, são raros os casos em que a Justiça concede indenização por danos morais. "Conseguir dano moral para qualquer tipo de omissão do Estado na saúde não é a mensagem que a gente quer passar. A Justiça tem uma máxima de que 'mesmos dessabores do dia a dia não configuram dano moral'. Acaba tendo que ser assim para que não tenha corrida no Judiciário por enriquecimento."

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