domingo, 12 de junho de 2016

João | "Ele era meio nerd e sofreu bullying na infância", diz diretor de longa sobre o maestro João Carlos Martins

Mauro Lima filma em Nova York com Alexandre Nero

RODRIGO FONSECA

Consagrado como um diretor blockbuster depois que Meu Nome Não é Johnny vendeu 2 milhões de ingressos, em 2008, tornando-se o maior sucesso nacional daquele ano, Mauro Lima levou sua câmera para Nova York, fazendo da cidade mais cosmopolita dos EUA cenário de seu novo longa-metragem: João. Dois anos depois de lançar Tim Maia (2014), o realizador retorna ao universo da música, tendo Alexandre Nero como protagonista, para filmar a trajetória de superação do maestro João Carlos Martins.

“Dá pra se afirmar que Bach foi um dos primeiros ícones da cultura pop como conhecemos hoje. Talvez a sua obra tenha sido o produto mais pop da música durante mais de duzentos anos, sei lá... E o JC Martins se especializou na interpretação da obra dele. Logo...”, analisa Lima. “Se não me engano, o João foi o único a gravar toda a obra dele pra teclado... mais de quatrocentas peças e pior... sabendo tocar tudo de memória. Mas não sei se a construção da jornada de um herói se aplica aqui neste filme como um gabarito ideal”.

Na vida real, a saga do maestro é marcada pela perseverança, mas também por um quê de tragédia. João Carlos Martins iniciou seus estudos de piano aos 8 anos de idade e, aos 13, começou sua carreira profissional. Estreou no Carnegie Hall, em Nova York, aos 21 anos, e seus concertos na sala de espetáculos sempre tiveram lotação esgotada. Por causa da LER (lesão por esforço repetitivo) foi obrigado a abandonar os palcos como pianista, em 2002. Mas, há sete anos, iniciou os estudos de regência e construiu uma sólida carreira como maestro. Na interpretação de Lima acerca dos fatos ligados ao músico, é possível enxergar a trama de João quase como um tratado sobre obsessão e, de um outro ângulo, como uma eterna guerra da resiliência contra as intempéries e contornos perversos do destino.

“Não que ele também não seja um herói, mas não acho que a narrativa esteja navegando nesse sentido. Não é uma biografia, não é a vida dele, mas uma faceta. É sobre um sujeito viciado em superação, tanto no sentido de superar o resto do mundo - os colegas, os outros pianistas, quase como um atleta - quanto às dificuldades que a vida apresentou; acidentes e doenças”, diz o cineasta. 

Depois de dois filmes sobre a vida noturna, boemia e excessos, o cineasta parece ter agora um universo mais “solar” pela frente. Mas as sombras vão aparecendo no processo de descoberta do personagem, vivido na juventude por Rodrigo Pandolfo (de O Concurso).

“Quando comecei a pesquisar a vida de João, logo me deparei com essa obsessão pelo perfeccionismo, pela velocidade, pelo virtuosismo. O sujeito tocou com a Boston Simphony, com Zubin Metha regendo Bernstein... Tocou uma peça do músico Alberto Ginastera que os maiores pianistas recusaram pela dificuldade, enfim... Além disso, tinha a coisa de ele ter sido a vítima de bullying clássica quando criança, sendo tímido, introvertido, nerd...”, avalia o diretor. “Eu percebi que, em algum momento, a chave entre essas duas realidades virou. Como esse sujeito ganhou fama pela interpretação superromântica das peças eruditas alemãs, eu logo desconfiei de um fundo freudiano, que depois confirmei... Inclusive a origem de todo esse perfeccionismo, mas não posso contar porque é parte-supresa do enredo. No fundo, ele é boêmio e cheio de excessos também. Só não pode ser preso por isso, como os meus outros biografados, o Tim Maia e o Johnny”.

Ao terminar João, o cineasta volta ao seu olhar para outro personagem real, marcado pela violência:

“O meu próximo alvo é o (policial corrupto) Mariel Mariscot, que aqueles com mais de quarenta e poucos devem lembrar”, diz Lima. “É um símbolo controverso da crônica policial carioca dos 1960, 70. Uma figurinha importante de um possível álbum iconográfico do Brasil dessa época”

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