domingo, 27 de maio de 2012

Michel Gondry enquadra a juventude


CANNES Eclética talvez seja o adjetivo mais adequado para descrever a carreira do cineasta francês Michel Gondry, que iniciou sua carreira abusando da criatividade nos primeiros videoclipes da cantora islandesa Bjork. Catapultado para o circuito independente, se sentiu um estranho em sua primeira ida ao Festival de Cannes, com o longa “Natureza Quase Humana”, de 2001. Uma década depois ele retorna com um filme completamente pessoal.

A esta altura, Gondry já é conhecido por filmes oníricos como “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças” (2004), pelo qual levou o Oscar de Melhor Roteiro Original, mas sua carreira guarda projetos muito distintos entre si. Após dirigir a superprodução hollywoodiana “O Besouro Verde” (2011), que foi orçada em US$ 125 milhões, ele traz à mostra Quinzena dos Realizadores, do Festival de Cannes, “The We and The I”, longa de baixíssimo orçamento, filmado quase inteiramente dentro de um ônibus em horário escolar e com um elenco de jovens sem nenhuma experiência frente às câmeras. 


O projeto foi motivado por uma ideia que o diretor teve há mais de 20 anos, quando presenciou a volta de estudantes para casa em um ônibus parisiense. Ele notou que o comportamento dos jovens mudava conforme o grupo se reduzia a cada ponto de parada. O caos inicial, as brincadeiras maldosas e as conversas superficiais eram substituídos por momentos de maior intimidade e discussões de teor mais pessoal e filosófico.

Para levar essa constatação para as telas, Gondry selecionou cerca de 40 estudantes de um escola pública do bairro nova-iorquino do Bronx e com eles iniciou um longo processo de workshops e entrevistas. Com um roteiro de apenas 24 páginas, Gondry utilizou histórias verídicas do próprio elenco para desenvolver a trama. “À medida que eu conhecia os garotos, eu deixava a história emergir e se tornar aquilo que eu queria contar”, ele contou, durante entrevista coletiva no Festival de Cannes. 


“Eu visualizava a trama com quatro ou cinco personagens principais. Um deles tinha acabado de deixar seu pai, e a outra era uma garota um tanto acima do peso, e por isso sofria bullying o tempo todo. Isso é algo que eu de fato vivenciei. Eles existem em todo lugar, os que cometem o bullying, as vítimas, a garota que precisa de muita atenção”, revelou.

No entanto, o processo revelou muito mais, com algumas das cenas sendo puros extratos da realidade. Em certo momento, por exemplo, um casal gay passa a discutir a relação. “Aquilo não estava previsto no roteiro. Aconteceu na hora, como uma briga de verdade, e acabou sendo incorporado à montagem final. O filme todo teve essa dinâmica”, contou o diretor. 


Aos 49 anos de idade, Gondry não permite se acomodar com escolhas óbvias e seguras. Segundo ele, estar em contato com um elenco tão jovem o possibilitou se renovar, e por ter sido um jovem tímido, ele revelou ter se identificado com o drama vivido por aqueles que sofrem bullying. Apesar disso, por vezes foi difícil manter os jovens concentrados.

“Chegamos a um ponto em que tivemos que pedir a eles para deixarem seus celulares de lado. Eles têm todas as notícias de suas vidas através de mensagens de texto”, comentou. “Eu achei que seria interessante ver o ônibus ter um pequeno modelo da sociedade como um todo, aonde a comunicação vem em diversas camadas, de voz para voz, de mensagens de texto para mensagens de vídeo”.


Para ele, este é o primeiro filme em que se sentiu completamente livre para fazer o que quisesse e sem ter que se preocupar com o que pensariam. Apesar disso, Gondry não despreza as produções em maior escala e de apelo mais popular. “Eu gosto de ambos os tipos de filme e não quero ter que escolher entre as duas situações. Gosto de cinema popular. Acredito que se eu fosse Christopher Nolan ou alguém cujos filmes fizessem bilhões de dólares nas bilheterias, aí sim teria que fazer essa escolha”.

Atualmente, Gondry está filmando “L’écume des jours”, cujo enredo remete a seus filmes mais fantasiosos. Na trama, Audrey Tautou (“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”) sofre com o nascimento de uma flor em seus pulmões. O diretor também atua no filme no papel de um médico. Logo em seguida, ele deve dirigir uma animação sobre o linguista Noam Chomsky, quem ele teve a oportunidade de entrevistar.

Lucas Procópio, estudante e amante do cinema, espectador descontrolado e aspirante a cineasta. 

Fonte: Terra

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