quinta-feira, 12 de março de 2015

"Tenho sorte por ser o filho do terrorista"

Zak Ebrahim cresceu a odiar todos os que não pertenciam ao mundo islâmico. Mas quando o pai, El-Sayyid Nosair, que esteve envolvido nos ataques ao World Trade Center, foi preso, começou a questionar os valores que lhe tinha incutido. Aos 31 anos, é defensor da paz

Zak Ebrahim tinha 7 anos quando o pai, o egípcio El-Sayyid Nosair, assassinou o rabi Meir Kahane, líder da Liga de Defesa Judaica (Jewish Defense League). Foi em 1990, em Nova Iorque. Mesmo preso, Nosair esteve envolvido no planeamento dos atentados de 1993 ao World Trade Center, que fizeram seis mortos e mais de mil feridos. "Queria muito acreditar na inocência dele", diz o norte-americano de 31 anos, reconhecendo que foi ingénuo. Aos poucos, começa a olhar o pai, um homem elogiado por Osama bin Laden, como violento e perverso. Decidiu afastar-se, mudou de nome e envolveu-se em movimentos pacifistas – hoje dedica-se a dar palestras nos Estados Unidos sobre a sua história. Ao telefone com a SÁBADO, falou sobre a sua relação com a família, contou que foi vítima de bullying na escola e disse que "a bondade é a melhor forma de mudar a mente de alguém". A sua vida deu origem ao livro The Terrorist’s Son: A Story of Choice (o filho do terrorista: uma história de escolha).

O que recorda dos primeiros anos da sua vida? Era feliz?
As minhas memórias mais antigas são bastante normais. A mais antiga é, talvez, a de uma ida com a minha família a um parque de diversões em Pittsburgh [Pensilvânia, Estados Unidos]. O meu pai era um homem carinhoso e atento. Só se tornou mais radical quando eu fiz 6 ou 7 anos.

Nessa altura ele foi preso. O que é que aconteceu?
Antes de ter sido detido, comecei a perceber que estava cada vez mais impaciente. Irritava-se, passava menos tempo connosco e dedicava mais tempo à mesquita, onde se encontrava com O Xeque Cego [nome por que era conhecido Omar Abdel-Rahman], mentor dos ataques de 1993 ao World Trade Center. No pouco tempo que estava comigo, levava-me para a mesquita para ouvir sermões e para conhecer os outros homens que acabariam por se envolver nos atentados bombistas.

O que lhe diziam esses homens?
Basicamente, que quem não seguia aquela versão do islamismo era uma potencial ameaça. Qualquer pessoa fora daquela pequena esfera em que vivíamos podia ser perigosa. Explicavam-me, por exemplo, que judeus e muçulmanos nunca poderiam ser amigos – eram naturalmente inimigos. Acabei por ficar com medo de todas as pessoas que não eram da religião.

O seu pai era violento?
Comigo nunca foi. Só se tornou mais agressivo quando começou a levar-me para o campo de tiro de Calverton, onde treinávamos com armas automáticas. Na altura, o espaço era vigiado pelo FBI.

El Sayyid Nosair O pai de Zak Ebrahim foi condenado a prisão perpétua por diversos crimes, entre os quais os ataques de 1993 ao World Trade Center 
Disse noutras entrevistas que a primeira ida ao campo de tiro foi impactante. O que aconteceu?
Lembro-me de ele me ter dito que, no dia seguinte, iríamos disparar. Nada daquilo me pareceu estranho. Quando se é jovem, aceita-se o que os pais dizem. O mais surpreendente para mim foi ter acertado na pequena luz na parte superior do alvo. Aquilo provocou uma pequena explosão e pensei imediatamente que tinha feito asneira. Virei-me e o meu pai estava a sorrir, orgulhoso. O meu tio dirigiu-se a outro homem e disse: "Ibn Abuh" (tal pai, tal filho). Só mais tarde percebi o que quis dizer com aquilo. Viu em mim a mesma capacidade de violência do meu pai.

Qual era a postura da sua mãe?
Ela era o oposto. Ensinou-me desde cedo a não julgar os outros pela aparência e a tratar todas as pessoas com respeito.

Depois de o seu pai ser preso, a vida familiar tornou-se caótica?
Caótica é pouco. Depois do seu envolvimento, em 1990, no assassinato do rabi Meir Kahane [fundador da Liga de Defesa Judaica], e da sua detenção, recebemos muitas ameaças de morte. A minha mãe, que até então estava em casa, ficou responsável por três crianças. Quando fiz 19 anos, tinha mudado de casa 20 vezes. A cada nove meses íamos para uma nova cidade. Eu era sempre o rapaz novo na escola. Como éramos pobres, vivíamos em bairros problemáticos e frequentávamos escolas com mau ambiente. Se não fosse pela força da minha mãe, a nossa família teria sido destruída.
Abdullah Yusuf Azzam, um dos fundadores da Al-Qaeda, era amigo do seu pai. Lembra-se dele? 
Nunca o conheci. Sei que foi um mentor para o meu pai, mas naquela altura [segunda metade da década de 1980] andava a viajar pelo mundo e passava a maior parte do tempo no Afeganistão, que estava em guerra. No dia em que Azzam foi assassinado, a minha mãe disse-me que tinha perdido o meu pai para aquela ideologia.

Conta que a sua infância foi marcada pelo bullying
Sim, foi a pior coisa da minha vida entre os 7 e os 16 anos. Fui alvo de violência física e psicológica durante anos. Mas nem sempre fui vitimizado por causa do meu pai. Em algumas situações, os agressores nem sabiam quem era a minha família. Metiam-se comigo porque era o miúdo novo na escola, porque era gordo ou tímido. Muitas vezes, as pessoas não acreditam quando digo que estive envolvido em mais de mil brigas na vida. Isso levou-me a pensar em suicídio desde muito cedo.

Como assim? 
Sentia-me muito sozinho, achava que ninguém me compreendia, mas mais tarde vi que há pessoas com experiências semelhantes e que dão a volta por cima.

bullying podia ter despertado em si mais violência… 
Sim, algumas pessoas optam pela violência. No meu caso, fiquei mais assustado e calado. Com o bullying, soube o que é ser vítima de agressões por razões que não podem ser controladas. Mais tarde, quando comecei a lidar com judeus e gays (pessoas sobre as quais tinha estereótipos negativos), quis tratá-los mal mas percebi que as ideias que me tinham incutido não eram verdadeiras. Eles eram amáveis. Há pessoas más em todas as raças e orientações sexuais, mas tive sorte porque essas primeiras pessoas que conheci eram extraordinárias.

Um emprego num parque temático fê-lo questionar as coisas que o seu pai lhe tinha ensinado sobre religião e ódio. 
Tinha 17 anos quando comecei a desafiar as minhas crenças. Por causa do bullying, estive envolvido num programa nacional de violência dirigido a jovens, que percorria o país a falar sobre o tema. Um dos miúdos que conheci no curso de três dias era judeu – só descobri isso ao fim do terceiro dia.

Foi uma surpresa. 
Tinham-me ensinado que judeus e muçulmanos não podiam ser amigos. Senti-me orgulhoso porque fiz uma coisa que julgava impossível. Percebi que o que me tinham ensinado não era verdadeiro. Depois, fui trabalhar para um parque temático e, pela primeira vez, interagi com um gay. Um tipo extremamente simpático e compassivo. Percebi que era uma pessoa melhor por me aceitar como era. Logo depois disso, tive uma longa conversa com a minha mãe.

O que lhe disse? 
Expliquei-lhe que a forma como via o mundo estava a mudar. Com os olhos em lágrimas, ela disse-me que estava cansada de odiar as pessoas. A minha mãe teve de lidar com tanto ódio por parte do meu pai e dos outros por causa das acções dele. Percebi que é necessária muita energia para odiar os outros. Ao dizer-me estas coisas, a minha mãe estava a dar-me autorização para sair pelo mundo e relacionar-me com as pessoas, em vez de as olhar comogays, judias ou negras.

Quando é que descobriu quem era realmente o seu pai? 
Pouco depois de ele ter sido condenado no julgamento do World Trade Center. Nessa época, falava com ele todas as semanas. Senti que me fazia sempre as mesmas perguntas: como corria a minha vida? Como é que eu estava? Por outro lado, eu tinha outras perguntas para ele: porque é que ele nos tinha abandonado? Porque é que tinha optado por aqueles actos que tornavam a vida da família tão dura? Foi nessa altura que me desliguei dele e mudei de nome. Durante sete anos, não falámos.

World Trade CenterA 26 de Fevereiro de 1993, um camião explodiu na torre norte do edifício, matando seis pessoas. O pai de Ebrahim foi um dos responsáveis pelo crime 
O que recorda da última conversa que tiveram os dois? 
Não falo com ele desde os 17 anos. Na altura em que comecei a expor publicamente a minha vida, recebi um email do advogado do meu pai, informando-me de que ele me procurava há vários anos. Fiquei tão assustado que não respondi. Anos depois, recebi um email da prisão que dizia que o meu pai gostava de voltar a comunicar comigo.

Dessa vez acedeu ao pedido? 
Queria perguntar-lhe porque é que tinha feito aquelas coisas. Aceitei falar com ele e honestamente não foi bom. Fui ingénuo. Achei que, ao fazer-lhe estas perguntas, ele me responderia de forma verdadeira e profunda e eu ficaria com uma perspectiva nova sobre ele. Na realidade, limitou-se a dizer-me que eram os planos de Deus. Informou-me que se voltasse para o islão todos os meus problemas ficariam resolvidos. Não era essa a resposta que eu procurava.

É ateu? 
Sim. Não tenho religião. Desde que comecei a falar publicamente sobre este tema fui convidado para contar a minha história em sinagogas e outros locais de culto. Conheci judeus, muçulmanos, hindus e cristãos. Não quero que as pessoas pensem que, apesar de não ter religião, olho de forma negativa para quem tem.
O seu pai ainda está preso? 
Foi condenado a pena perpétua.

Sente que as pessoas ainda olham para si como o filho do terrorista? 
Num certo sentido, tenho sorte por estar nesta posição. Tenho sorte por ser o filho do terrorista. As pessoas lêem a expressão "filho do terrorista" e isso fá-las prestar atenção. É por isso que posso ir à CNN, à Al Jazeera, à BBC. Falo sobre aceitação e paz, temas que não são muito abordados pelos media. 

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