domingo, 16 de abril de 2017

Tema e a abordagem de “13 reasons why” chamaram a atenção de psicólogos e psiquiatras

Tema e a abordagem de “13 reasons why” chamaram a atenção de psicólogos e psiquiatras

Por: Hugo Viana

A série “13 reasons why”, da Netflix, é uma das estreias mais polêmicas desta temporada. Em sites que reúnem notas de espectadores e críticos de cinema do mundo inteiro, como o IMDb e o Rotten Tomatoes, o seriado tem classificações elevadas (ambas acima de 9). Entre alguns psicólogos e psiquiatras, no entanto, “13 reasons why” vem sendo avaliada pelo seu potencial negativo, na forma como aborda o suicídio e o bullying, temas centrais do projeto, que é produzido pela cantora Selena Gomez. 

Três atores da série estarão participando neste fim de semana na Comic Con Experience Tour Nordeste (CCXP): Christian Navarro (Tony), Brandon Flynn (Justin) e Alisha Boe (Jessica).

Para quem ainda não assistiu, vale lembrar que a série começa com um spoiler e esta matéria trará outros. O enredo fala sobre Hannah (Katherine Langford). No começo, descobrimos que ela se matou e deixou 13 fitas cassete em que traz pormenores do que a levou a essa escolha. Escutamos uma fita por episódio, acompanhando a audição do personagem Clay (Dylan Minnette). 

Cada gravação trata de uma pessoa específica do colégio; quando Clay começa a ouvir, todos os outros envolvidos já escutaram o conteúdo - sobre colegas que magoaram a protagonista e agora precisam se confrontar com as repercussões de seus atos. 

Entre os pontos fortes da série está o interesse em debater bullying e suicídio, criando situações recorrentes no cotidiano adolescente. A série parece indicar como o acúmulo de tragédias pode potencialmente destruir a força de vontade de um adolescente. Os horrores em torno de Hannah variam de tamanho e impacto; alguns surgem de raiva, egoísmo e frustração, enquanto outros nascem de crueldade e falta de compreensão sobre humanidade e respeito. 

O tema e a abordagem da série chamaram a atenção de psicólogos e psiquiatras. Entre comentários citados por diferentes profissionais está o potencial do seriado se aproximar do que se convenciona chamar “Efeito Werther”, conceito originado a partir do suposto impacto que o livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, causou na sociedade alemã no período da publicação, no século 18, elevando o número de pessoas que tiraram a própria vida. 

“Embora o aumento de suicídios na Alemanha atribuídos ao livro jamais possa ser objetivamente medido, há já um consenso entre suicidologistas de que o fenômeno sofre contágio pela mídia e de que há maneiras pelas quais ele não deva ser retratado”, escreveu Luís Fernando Tófoli, psiquiatra e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no texto intitulado “13 Parágrafos de Alerta sobre ‘13 Reasons Why’”. “Uma delas, e na qual a série fracassa desgraçadamente, é em não romantizar ou embelezar um suicídio. Evitar a divulgação de cartas suicidas é outro ponto - e é desnecessário dizer que a série toda é uma enorme carta suicida, que embora ficcional, é ouvida pela voz da protagonista, a narradora póstuma da história”, ressalta Tófoli. 

Entre as cenas mais polêmicas da série está sequência em que Hannah tira sua própria vida. “O principal erro da série é, de longe, mostrar o suicídio de Hannah. A cena, que acontece no episódio final, é absolutamente desnecessária na narrativa e claramente contrária ao que apregoam os manuais que discutem prevenção de suicídio e mídia. Chega a ser absurdo que os autores da série ignorem completamente o que indicam explicitamente as recomendações da Sociedade Americana para Prevenção do Suicídio”, ressalta Luís. 

O debate sobre suicídio é importante, mas segue pouco abordado. “O receio de falar sobre suicídio, devido aos diversos significados (religiosos, sociais) atribuídos a este ato, é a preocupação de que, ao tratá-lo como público, possa influenciar pessoas ‘vulneráveis’ a repetir tal ação (efeito Werther). Foram estabelecidos debates dentro da Psicologia sobre até que ponto uma representação na arte pode ter um efeito desencadeador de uma violência contra si”, explica Ubiracelma Carneiro da Cunha, mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). 

“A série pode otimizar a possibilidade de olhar e experienciar, de forma protegida, algo que é vivenciado na realidade de muitas pessoas, atentando para os sinais de dor e sofrimento vividos pela personagem. O objetivo é promover um debate sobre o suicídio, alertar a necessidade de falar sobre esta temática, sendo fonte relevante para a criação de estratégias de prevenção”, diz Ubiracelma. “A prevenção do suicídio ocorre por meio do reforço dos fatores de proteção e da redução dos fatores de risco. A série pode ser compreendida como um instrumento de suporte para identificar esses fatores”, opina.

Violência de gênero e estereótipos

Do ponto de vista de debate sobre cultura, identidade e gênero, “13 reasons why” fascina pelo panorama de personagens. “Acho que está cumprindo um papel importante nessa discussão. Ela repete estereótipos que estavam nos filmes da Sessão da Tarde dos anos 1980, mas é outra tonalidade. Ela rompe um pouco com porque desconstrói estereótipos, discute o suicídio”, diz Adriana Amaral, professora e pesquisadora do programa de pós-graduação e comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). 

“A série atualiza discussões porque mostra a violência de gênero na adolescência. Por exemplo, apresenta um personagem gay que não é estereotipado, um latino que faz parte de uma gangue. São elementos novos para a discussão”, detalha. “Estão achando que a série romantiza o suicídio, mas acho que não. Acho que mostra o que acontece, e é chocante. Não gosto da ideia de normatizar como artistas vão tratar esse tema. Também não gosto da ideia de trigger warning (gatilho), tudo pode ser gatilho para as pessoas se sentirem mal. Acho que a série é um alerta para as pessoas procurarem ajuda profissional”, opina. 


Trama se baseia em livro de Jay Asher

Entre os motivos da polêmica sobre a série estão duas cenas de estupro e, principalmente, a sequência do suicídio. Na primeira, Jessica (Alisha Boe) bebe demais durante uma festa e adormece em uma cama. Enquanto está desacordada, é estuprada por Bryce (Justin Prentice). Em outro capítulo, Hannah é violentada pelo mesmo Bryce; a câmera registra o estupro mostrando o rosto da personagem, que gradualmente se torna sem vida e energia. No último episódio, os espectadores acompanham Hannah enquanto ela corta os pulsos. 

A série é baseada no livro de mesmo nome escrito por Jay Asher. Para o autor, as cenas explícitas são importantes para a trama. “Algumas pessoas disseram que as cenas eram gráficas demais, mas é uma coisa gráfica”, disse o autor, em entrevista ao BuzzFeed News. “É como se estivessem dizendo que nunca é apropriado mostrar esse tipo de coisa. Se você diz que nunca é apropriado, então você está dizendo que é algo a ser escondido”, comentou Jay, que destacou a importância de fazer o espectador se sentir desconfortável. 

“Queria que os rapazes ficassem desconfortáveis ao ler, e tanto o livro quanto a série mostram que Hannah nunca diz ‘não’. Porque é isso que sempre ouvimos, não é? ‘Quando a garota diz não, ela quer dizer não’. Mas há ocasiões em que a garota tem medo de dizer não por vários motivos, e isso não quer dizer ‘ah, enquanto ela não falar não, tudo está permitido’. Você precisa ser uma pessoa melhor do que isso”, ressaltou o autor. 

Potencial nocivo ganhou repercussão

No Brasil, uma das primeiras vozes contra a série veio do escritor e crítico de cinema mineiro Pablo Villaça, editor do site Cinema em Cena. “Quando publiquei meu primeiro texto, em 3 de abril, as reações a ‘13 reasons why’ eram unanimemente positivas - o que me espantou, já que seus problemas eram flagrantes”, opina Pablo. “Assim, eu já antecipava que teria o mesmo tipo de respostas que ocorrem quando faço críticas a qualquer projeto de sucesso (e, acreditem, não é um prazer apontar defeitos em algo popular)”, diz. 

Depois da crítica, a reação negativa dos leitores motivou Pablo escrever um novo texto, no Facebook, que já tem 18 mil curtidas e mais de 10 mil comentários. “Agora, começaram a surgir artigos apontando os problemas da série, incluindo análises importantes como a do psiquiatra Luis Fernando Tófoli, o que me deixa feliz e aliviado. Feliz por perceber que o potencial nocivo da série está sendo discutido; aliviado por poder dividir um pouco dos insultos e ataques”, destaca. 

Os caminhos para encontrar ajuda

Além dos 13 episódios, a Netflix também lançou um documentário com atores, produtores e psiquiatras, debatendo questões abordadas no enredo. Há ainda o link 13reasonswhy.info, que indica caminhos para que as pessoas com problemas semelhantes aos apresentados na história encontrem ajuda (ao selecionar o Brasil, o site oferece os contatos do Centro de Valorização da Vida - CVV, cujo endereço é www.cvv.org.br). Antes dos capítulos que trazem violência ou abuso sexual, há um aviso explicando que o conteúdo pode ser perturbador para audiências mais jovens. 

Segundo o CVV, entre 1º e 10 de abril (época em que a série estreou na Netflix), foram recebidos 1840 e-mails (no mesmo período, em março, foram 635). “A estreia da série aumentou nossa procura por e-mail e chat, meios que os jovens têm buscado mais para falar com a gente. Os e-mails triplicaram desde que série foi lançada, em relação ao período anterior”, diz Adriana Rizzo, voluntária do CVV. “As pessoas citam que assistiram e que se identificaram com a série ou a personagem. Acho que a série traz a reflexão para quem a assiste sobre o comportamento humano e que, às vezes, atitudes que temos podem machucar as pessoas”, ressalta.

Pontos em conflito com a série
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem pontos que se chocam com o conteúdo da série: “evitar glorificar ou romantizar o ato do suicídio”; “evitar incluir o método, local ou detalhes da pessoa que faleceu e limitar as informações aos fatos que o público precisa saber”; e “evitar retratar o suicídio como uma resposta aceitável às adversidades da vida”.

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