segunda-feira, 3 de abril de 2017

Pais de criança com autismo se mobilizam contra preconceito e relatam aprendizado: 'lição de vida'

G1 RIBEIRÃO PRETO

Casal de Ribeirão Preto descobriu na música um modo de ajudar a pequena Maria Cecília, de 4 anos, aprender a falar. Família promove projeto para conscientizar alunos e professores contra bullying no ambiente escolar.

Dos primeiros sinais de comportamento à busca pelo tratamento ideal, a batalha do luthier Jorge Nacev e da fotógrafa Maria Antonieta Coelho contra o autismo da filha Maria Cecília Coelho Nacev, de 4 anos, não foi fácil. Como em muitas famílias, a doença lembrada em todo o mundo neste domingo (2) fez o casal de Ribeirão Preto (SP) passar por diferentes momentos de angústia e preconceito.

Hoje, depois de obter bons resultados com música e iniciar um projeto que, através do diálogo, combate o bullying na escola em que Maria Cecília estuda, os pais relatam momentos de aprendizado únicos com a filha, relembrados com carinho e determinação.

"Eles veem as coisas e vivências de forma diferente. Para mim, eles são mais evoluídos que nós. Eles têm uma bondade, uma humanidade incrível", afirma Maria Antonieta, mãe de Maria Cecília.

O 'luto' do diagnóstico

A família descobriu que Maria Cecília tinha autismo leve quando a menina começou a frequentar as aulas do maternal e tinha apenas 1 ano e meio. "Caiu o mundo. Você vai viver o luto. Alguém chega para você e fala: 'larga tudo e corre atrás de terapia que ainda dá tempo', diz o pai, Jorge Nacev.

Segundo o luthier, Maria Cecília nasceu aparentemente sem problemas, mas começou a apresentar os primeiros sinais em casa, no modo como se comportava diante de objetos - atenção excessiva a eles - e outras pessoas - a falta de interação.

O ponto crítico dessa fase de descoberta se deu no dia em que a menina acidentalmente se cortou com um pedaço de papel e não demonstrou reação, relata a mãe. "Ela pegou debaixo da porta, cortou a pele bem fundo e continuou engatinhando e sangrando como se não tivesse acontecido nada. Não é normal", afirma Maria Antonieta.

Três meses após matricular a criança na escola, a desconfiança aumentou com as avaliações pedagógicas. "Ela não se aproximava das outras crianças, preferia ficar isolada, não olhava nos olhos, não interagia", conta a mãe.

A família ainda suspeitou que a criança tivesse algum nível de surdez, mas, levada a uma fonoaudióloga, a criança acabou diagnosticada com autismo de alto funcionamento. "Não é tão comprometida na parte neurológica e na parte física", explica a fotógrafa.


'Vocabulário de emoções'

A descoberta mudou por completo a rotina de Nacev e Maria Antonieta, que parou de trabalhar por três anos e confessa que não sabia como lidar com o que estava acontecendo.

"O que é autismo, o que a gente vai fazer? No Brasil não se tinha ainda e não se tem a assistência necessária. É uma luta, é uma batalha, para conseguir lidar com eles não é o difícil. Difícil é ter os profissionais para nos ensinar, para nos orientar", diz a fotógrafa.

Mas, em meio ao drama familiar, o pai percebeu que a filha começou a desenvolver sua própria forma de se comunicar. É o que ele define como um "vocabulário de emoções."

"Ela tem dificuldades de se expressar, fica nervosa, mas como todo autista, se vira. Com a dificuldade, ela fica assistindo desenhos para adquirir um vocabulário de emoções. Se por um lado ela tem essa dificuldade, por outro lado ela criou um banco de informações", conta.

Não demorou muito para a família descobrir na música uma maneira de transformar o problema em uma oportunidade. Logo a menina estava aprendendo a falar por meio das músicas que cantava.

"Ela aprendeu a falar cantando. Ela aprendeu a cantar e depois a fono ensinou a falar. Se não fosse a música, talvez hoje ela não falasse", relata Maria Antonieta.


Luta contra o preconceito

Mas o desenvolvimento cognitivo é apenas uma das faces da luta contra o autismo. Desde o diagnóstico, a família relata ter enfrentado preconceito e desconhecimento sobre a doença. O problema não só marca o dia a dia de Maria Cecília, como também de suas três irmãs mais velhas, Maria Luisa, de 11 anos, Maria Eduarda, de 12 anos, e Maria Beatriz, de 17 anos.

"A gente sofre muito preconceito. As pessoas ignoram, elas não conhecem", diz Maria Antonieta.

Os pais decidiram então criar um projeto de conscientização na escola em que as filhas estudam. O objetivo: através do diálogo, combater o bullying vivido por crianças com autismo como Maria Cecília. Segundo o pai, o colégio é importante para a filha, pois é onde ela deixa sua zona de conforto e interage com o mundo.

"A gente não pode tirar isso dela. Na frente isso vai acarretar muitos problemas. A gente faz tudo para que ela não falte da escola. O colégio tem um papel muito grande na vida da criança autista", afirma Nacev.

O trabalho consiste, segundo a fotógrafa, em tornar os alunos capazes de lidar com as diferenças sem preconceito. "As crianças precisam ser conscientizadas para perder o preconceito, porque preconceito não é nada mais que ignorância. É você não saber lidar com a diferença. Você precisa aprender", afirma a mãe.

Além de estudantes, os pais conversam com professores. Para Maria Antonieta, a doença deve ser encarada como uma forma de fazer com que as pessoas trabalhem juntas. "É a família, a escola e os terapeutas. Eles precisam estar alinhados para que o tratamento funcione, então cada um tem que fazer a sua parte", defende.

Depois das mudanças vividas, a fotógrafa afirma ter aprendido muito no convívio com sua filha. "Eles não toleram a violência, eles não querem que ninguém sofra. Para mim, eu definiria a Maria Cecília, não só ela, mas todas as crianças autistas, como uma lição de vida."

*Sob supervisão de Rodolfo Tiengo

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